domingo, novembro 07, 2010

O HOMEM NU

Olá!!

Não, eu não sumi. Sumiram-me. Quem? A Internet. Três dias. Uma eternidaadeee!!! Acredite, aqui no Brasil essas coisas acontecem.

:((    Deixa pra lá.

Quando jovem eu era fã de carteirinha do Fernando Sabino, um dos mais importantes cronistas do Brasil. São dele essas palavras: "Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino". (1995). Nasceu em Belo Horizonte, a 12 de outubro de 1923, Dia da Criança, e morreu em 11 de outubro de 2004, no Rio de Janeiro. É autor de seu próprio epitáfio: "Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino".

Seu livro mais famoso chama-se "O Encontro Marcado". É também o autor de Zélia, Uma Paixão (1991), biografia da ex-ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello.

Ontem fui mexer nos livros antigos, a pedido de minha filha, e dei de cara com ele. Já viu, comecei a folhear e logo pensei em você. (Pra variar, rsrs). Taí então uma das mais famosas crônicas que ele escreveu, tem inclusive um livro com esse nome. Chama-se "O Homem Nu".

Enjoy!!



Ao acordar, disse para a mulher:

— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.

— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.

— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.

Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.

Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:

— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.

Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.

Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares... Desta vez, era o homem da televisão!

Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:

— Maria, por favor! Sou eu!

Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.

Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.

— Ah, isso é que não! — fez o homem nu, sobressaltado.

E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!

— Isso é que não — repetiu, furioso.

Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar. Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer? Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.

— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.

Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:

— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso. — Imagine que eu...

A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:

— Valha-me Deus! O padeiro está nu!

E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:

— Tem um homem pelado aqui na porta!

Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:

— É um tarado!

— Olha, que horror!

— Não olha não! Já pra dentro, minha filha!

Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.

— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.

Não era: era o cobrador da televisão.

*

E aí, gostou?
Beijos e boa semana.

Saiba mais aqui.

16 comentários:

  1. mais um autor que eu não conhecia... e pelos vistos estou a perder bastante.

    ResponderExcluir
  2. Hehehe...Fernando Sabino, genial!! Adorei a partilha Marli! No ginásio, li, o livro dele "O encontro marcado". Muito bom também. Uma boa noite para você, uma boa semana também, beijos :)

    ResponderExcluir
  3. Engraçado... Nunca gostei muito dos livros dele.
    Fui obrigada, na escola, a ler alguns, e ganhei outros.
    Parece que todo mundo morre! rs

    bj

    ResponderExcluir
  4. Sempre bem interessantes as crônicas de Fernando Sabino. Esta eu não conhecia.
    Foi bom ter vindo até aqui para conhecer.
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  5. Marli que segunda-feira linda! e ainda por cima encontrei esse texto do magnífico Fernando Sabino por aqui, que beleza!
    Beijos

    ResponderExcluir
  6. Oi Marli
    Sou suspeita, adoro contos.
    Não sei se você tem aquela coleção que saiu em almanaque há muitos anos? São vários autores e contos maravilhosos.
    Lembro-me desse no meu livro didático na escola. Adorava e fazia questão de ler lá na frente para todos.
    Que delícia você trazê-lo aqui.

    Bjs no coração!

    Nilce

    ResponderExcluir
  7. Oi Marli!! Li o Encontro Marcado e o Homem Nu, nem preciso falar que o Sabino é um dos meus autores preferidos. Em minha bibliotequinha tem vários livros dele.

    Ótima postagem!!

    abraços :)

    ResponderExcluir
  8. Olá Marli
    Fizestes uma ótima escolha, Fernando Sabino, meu conterrâneo, é um dos maiores cronistas do Brasil. Já li esse livro. Adoro.
    Bjux

    ResponderExcluir
  9. como sempre, Fernando Sabino, é Fernando Sabino. Tenho a impressão que esse texto originou um filme onde Claudio Marzo trabalhou como o homem do título. Muito Bom!!!!!

    ResponderExcluir
  10. Oi, Marli!

    A M E I! Que sufoco, hein?KKK

    Beijos
    Socorro Melo

    ResponderExcluir
  11. Eu conheci o Fernando Sabino através daquela coleção Para Gostar de Ler, que reunia ele, Drummond, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e outras tantas feras da nossa literatura. Me apaixonei mesmo com ele com O Encontro Marcado e li quase tudo, parei quando ele fez o livro da Zélia Cardoso (a minha raiva era dela, rsrs. ) Abração, Marli. Paz e bem.

    ResponderExcluir
  12. MARLI,
    Ri, mas ri com gosto mesmo...é de facto um momento Kafkiano, mas de comédia. Pior não fica...rsrs
    Não conhecia esse autor. Estou a fazer grandes descobertas de autores Brasileiros...with a little help from my friends!
    Beijos

    ResponderExcluir
  13. eu li quando era adolescente. presente de mamãe. ri horrores! e nem me dei ao trabalho de ver o filme. nunca, nunquinha são tão bons quanto o livro!

    ResponderExcluir
  14. Hua, kkk, ha, ha, com certeza, um dia infernal, não é?

    E estar sem rede é uma melda.

    Fique com Deus, menina Marli Borges.
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  15. Marli, amiga!
    Eu simplesmente adoro Fernando Sabino e sou suspeita para fazer qualuqer comentário sobre ele, pois todos seriam-serão de profunda admiração...
    Amei o teu post...
    Quanto a mim ando sumida também, mas não me sumiram como ao você, é o tempo que não dá pra que eu faça tudo o que quero e preciso... problema de má administração pessoal... hehehehehe...
    Beijos, flores e muitos sorrisos!

    ResponderExcluir

BOM VER VOCÊ POR AQUI!
Procurarei responder a todos e retribuir as visitas com a maior brevidade possível. Abraços. Marli