quinta-feira, dezembro 12, 2013

COMO VIRÁ O MEU NATAL?

Natal tem que ter árvore e presépio, e isso ninguém muda. No dia 10 de dezembro monto minha árvore de Natal. Por que 10 de dezembro? Não sei, é tradição, a minha tradição. Era o dia em que, na minha casa de menina, montávamos a nossa árvore para esperar o aniversário de Jesus e o Papai Noel.

Na minha infância as árvores eram vivas e os galhos eram vendidos na feira. Como éramos pobres, minha vó sempre dava um jeito de ter algum pinheirinho plantado num vaso para a gente enfeitar. Costumávamos guardar os enfeites nas caixas de Natal. Continuo guardando assim, e ainda sou ligada em abrir essas caixas. Guardados há quase um ano, sempre acabo esquecendo a cara dos enfeites. Nossa, um ano é muito tempo, e não é que esqueci como é lindo o novo presépio que ganhei ano passado? 

Eu acreditava em Papai Noel, lembro muito bem. Durante vários anos alimentei um sonho e escrevi para ele pedindo que me trouxesse uma bicicleta. Quando via a árvore montada, meus olhos brilhavam e minha esperança se acendia. É agora, eu pensava, finalmente vou ganhar minha bicicleta. O tempo passou, eu cresci, e andei passando uns trabalhos na vida. E alguns natais foram bem complicados. Lembro de um, em que morávamos numa fazenda bem longe da cidade e decorei a árvore com enfeites de papel, feitos a quatro mãos: meu marido e eu. Meus filhos eram bem pequenos nessa época, e a gente andava sem dinheiro. No ano seguinte uma folhagem num vaso, virou nossa árvore de Natal. Mesmo assim, jamais pensamos em desistir da árvore, era vital aquele aconchego natalino. A gente ali, se abraçando e brilhando junto com as luzinhas. E minhas crianças se criaram assim. 

Hoje em dia quando chega dezembro, fico observando o espírito natalino ir tomando conta do coração dos meus filhos, dos meus netos e das pessoas que convivem com a gente. Em silêncio, aguardo pacientemente o dia especial. Meu marido também fica quieto, esperamos que no dia 10 de dezembro nossa árvore esteja novamente conosco, carregada de significados. Acho que nesse ano de 2013, meu Natal virá exatamente assim, como tem acontecido há mais de meio século.

Tem muita gente que diz que isso é pura bobagem, que não condiz com os tempos atuais, que perdeu a graça, que isso é coisa de gente moça. E daí? Não me importo. Essas bobagens me fazem vibrar, me dão entusiasmo e força. Meu lado criança acorda, de olhos bem arregalados. E minha bicicleta? Pois é. Papai Noel nunca trouxe, mas continua me trazendo a emoção, a mesma que sinto ao ver minha árvore enfeitada. A mesma dos meus tempos de menina. Fico tão feliz que parece que um novo sonho vai se realizar. De uns tempos para cá, minha árvore de Natal tem sido meu referencial de alegria para o ano novo que vai chegar.

Marli Soares Borges, 2013

* COMO VIRÁ O MEU NATAL? - Minha participação da IV Interação de Natal promovida pela amiga Rosélia 
   

quarta-feira, dezembro 04, 2013

QUERER NÃO É PODER




"Dêem-nos o supérfluo da vida, que dispensaremos o necessário", disse certa vez Oliver W. Holmes no início do séc.XIX. Se isso não foi um vaticínio, então eu não sei mais nada, pois nunca um dizer antigo esteve tão atual e retratou tão bem o que ocorre hoje na sociedade de consumo. Só faltou retratar a epidemia de infelicidade que o consumismo está causando nas pessoas. É que navegar nos mares do supérfluo, por mais doce que possa parecer, é uma das mais amargas perdas de liberdade que existem. O consumismo escraviza, gera infelicidade e acaba com a sua paz, porque carrega consigo a maldita sina de atrair dívidas. E não tem nada pior do que se endividar. Você perde o sono e perde a dignidade. E, se não retomar as rédeas de sua vida, você vai ao fundo do poço. E empobrecido só lhe restará a insolvência, ou seja, você literalmente já era. Porque fazer isso com você? Porque roubar a si próprio comprando o que não precisa? Para ser feliz? É muito triste se endividar para comprar a felicidade, aliás, felicidade comprada não existe, é uma piada de mau gosto, apanágio da sociedade de consumo. Acorde, pense em você e sacuda essa poeira, olhe ao redor, pense nos seus afetos, eles sofrem demais com essa desdita. Todos sofrem. (Mas se você não consegue sair dessa sozinho, se a vontade de consumir é mais forte que você, isso pode ser patológico, peça ajuda profissional e não deixe sua vida escorrer pelo ralo).

Não quero dizer com isso que você tenha que deixar, eventualmente, de comprar supérfluos, por favor, não me entenda mal. Mas há que ter bom senso e não exagerar, pois é complicada nossa situação. Vivemos desamparados num país onde apenas uma minoria muito rica tem poder de compra, e a grande maioria -- pobre -- não têm dinheiro sequer para os bens essenciais. Em contrapartida somos bombardeados diariamente por uma das publicidades mais respeitadas do mundo, notável especialista em criar necessidades desnecessárias. Ela anuncia que seremos felizes, atraentes e saudáveis se escolhermos isso ou aquilo, contudo, ninguém conseguirá alcançar essas metas, porque elas não passam de paradoxos. Observe: de um lado nos oferecem a felicidade, a saúde, a beleza e o bem estar e do outro somos incentivados a comprar produtos, muitos deles, comprovadamente prejudiciais. O que fala mais alto é sempre o consumo, comprar, cada vez mais. E é tão forte a pressão pelo prazer de consumir, que as pessoas ficam atordoadas e, mesmo sem dinheiro, comprometem seus créditos nos cartões, e logo ali, desabam, infelizes, com dívidas exponenciais e projetos de vida inalcançáveis.

Quando falamos em consumo, nem nos damos conta de que o que está sendo consumido de verdade, é a nossa força vital, nossa saúde física e mental que todo dia é vendida e comprada, usada e abusada, para lubrificar a máquina ensandecida do lucro empresarial. Observando com uma lupa, veremos que as milagrosas promessas publicitárias, todas elas cabem no mesmo molde de apenas dois compartimentos: um oferece o meio de fuga, e o outro oferece a vida real, de onde todos querem fugir. A cultura do consumo sufoca as pessoas com objetos e fantasias e oferece um mundo, sem qualquer chance de existência objetiva, que parece existir apenas para impulsionar os desejos pessoais. 

É impossível negar o poder da sociedade de consumo. Mas vale notar que esse poder está atrelado a uma publicidade que "deu certo". Logo, neutralizando essa vibe, enfraqueceremos esse poder, e acredito na possibilidade real de virar o jogo e recuperar nossa liberdade de escolha. Penso muito nas palavras de Rousseau, "o forte não é nunca bastante forte, para estar sempre no poder, se não faz de sua força um direito e, da obediência, um dever", e, eis que surge uma luz. Tenho visto recentemente, os meios de comunicação ventilarem anúncios sobre a importância e a necessidade do consumo sustentável e seus benefícios. Então, chegou a hora. Hora de banir o consumismo, de lutar contra esse massacre publicitário que nos escraviza. A luta? Terá de ser no terreno das idéias, dos valores e das justificações éticas, fazendo valer o direito constitucional que todos temos, como cidadãos brasileiros, de levar uma vida digna, independente e livre. E, no final das contas, feliz.

Marli Soares Borges, 2013

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*  O texto "Querer não é Poder" foi publicado pela primeira vez no "Blog da Marli"

segunda-feira, dezembro 02, 2013

POIS É, ACONTECE.


Na vida a gente às vezes confunde sonho com ilusão e acaba perseguindo um equívoco. De repente você sai de órbita, leva uma queda e dá com os burros n'água. E vem o pavor. Lembra "O Grito" de Edvard Munch? Pois é, acontece. Você se descuidou, fez besteira e caiu. E inerte no chão, sua alma acabou adoecendo. Shsss! Muita calma nessa hora. Infecção mental é coisa séria, mas a boa notícia é que tem cura, pois a alma é igualzinha a fênix, ela se recompõe, revigora e se faz luz. Mas isso é um processo e você tem que ajudar. Pode até chorar pelos cantos, mas nada de auto-comiseração, que isso sim é um tiro no pé. Toque sua vida para frente. Sugiro um tratamento de choque: que tal mudar o seu ponto de vista? Um novo ponto de vista é remédio poderoso e, em se tratando das doenças da alma, o resultado aparece na hora. E digo isso de cadeira, conheço o efeito desse remédio, já levantei muitas vezes. Então a dica é a seguinte: primeiro encare, assuma que você se iludiu e foi ao chão. Olhe ao redor e pense comigo: o chão é milagroso, é onde a semente germina e a flor desabrocha. É onde tudo acontece. E a queda, apesar de sofrida, certamente fez você abrir os olhos e enxergar melhor. Bom, você não pretende ficar eternamente nesse banzo, não é? Então, é hora de plantar novos sonhos! Arregace as mangas e trabalhe. Acredite na transcendência, tem ajuda concreta por aí, mas assegure-se de ter plantado somente sonhos, dessa vez. Ligue as antenas e atente para suas reais possibilidades. Não se distraia, não navegue nas ilusões, sua alma precisa estar saudável para as boas energias fluírem e ajudarem você a realizar seus sonhos, "... a fé não costuma faiá..."

Marli Soares Borges, 2013

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*  O texto "Pois é, Acontece" foi publicado pela primeira vez no "Blog da Marli"

terça-feira, novembro 26, 2013

DE FASCÍNIO EM FASCÍNIO

Adoro a emoção que vem quando mudo meu centro de interesse. Revivo, quero fazer isso e aquilo, quero mais e mais, quero mexer com a vida, mexer a panela dos doces e lambuzar meu coração. Paro imediatamente de bater os pinos e a criança que habita em mim se move de um fascínio para outro com olhos de primeira vez. Muitas vezes me parece que esse sentimento é imaturo, que eu deveria manter um padrão de interesse por mais tempo, um padrão compatível com minha maturidade, -- aiai sou tão madura -- mas na verdade, eu sigo querendo o que sempre quis: que os fascínios continuem comigo, tomando conta da minha cabeça, dos meus sentidos, de todo o meu ser! Quero aguçar meu sexto sentido, afinar minhas percepções e ampliar minha leitura de mundo. Essa dinâmica me move e fascina. No passado eu nutria uma certa inveja dos pintores e fotógrafos, porque me parecia que o trabalho deles era puro fascínio, na medida em que nada se repetia, que o fascínio sempre se renovava porque amparado na incidência da luz, que modifica completamente o cenário. Mas eu estava errada, comprovei mais tarde. O fascínio não tem nada a ver com a superfície, ele é uma mágica interior que pode acontecer milhões de vezes na vida de cada um de nós. É coisa do espírito, e vibra quando é movido pelo interesse verdadeiro, esse impulso interior que coloca os sentidos em sintonia com a energia vital e aciona o processo criativo. Ou seja, a gente só se interessa pelo que realmente nos fascina, por aquilo que nos fala ao coração. Aí a gente volta a engatinhar e abraçar as novas experiências da vida.  Marli Soares Borges

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segunda-feira, novembro 18, 2013

E AÍ, VAI ENCARAR?


Ninguém é perfeito. Calma, sei que você não se mistura, que você gosta de estar só e blablablá. Que você gosta demais de você. Já lhe tirei fora dessa. Mas bem que você poderia aproveitar suas qualidades e melhorar o mundo, melhorar a vida desses humanos tão ridículos, afinal, você tem tantos talentos e eles não têm nenhum. Você poderia começar, simplesmente deixando o outro crescer em seu próprio ritmo. Que tal descer do salto e parar de implicar com o outro, parar de criticar tudo e todos? Que tal abandonar a chatice e ser uma pessoa amável e gentil, ver a vida com outros olhos, deixar de lado a presunção? Que tal parar de ser cri-cri em tempo integral, parar de se achar? Aposto que esses humanos insignificantes não são assim tão sem graça como você pensa. Eles vivem por aí, ralando, pagando seus pecados, mas conseguem sorrir dos dissabores e tocar a vida do melhor jeito que dá. Sei disso, faço parte dessa troupe de imperfeições. Marli Soares Borges


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quinta-feira, novembro 07, 2013

GARRANCHOS NAS RECEITAS MÉDICAS

“Um médico retirou o útero de uma paciente por engano em Santa Maria de Jetibá, colocando a culpa em problemas na letra que determinava o procedimento a ser realizado naquela paciente que lhe fora encaminhada."

Cada dia, mais me convenço de que há um desajuste entre o que aprendemos na escola e o que precisamos aprender à custa de sacrifícios e erros na vida. Meu Deus, porque a escola não me ensinou a ler garranchos de médicos? Não tenho problema para ler e assinar contratos, cheques e outros tantos documentos importantes que requeiram entendimento, mas quando tenho que comprar remédios ou fazer exames de laboratório, aí sim é um calvário, mas quer saber, isso era o que eu pensava antes do saber.  Sem essa de botar a culpa na escola. Bobagem. Agora exijo respeito por parte dos profissionais da saúde, mormente dos médicos. Recuso-me a aceitar receitas que ninguém entende. Quando algum médico escreve garrancho na receita, reclamo na mesma hora. Na verdade, precisei ir ao Procon apenas uma vez. Mas acontece que pertenço ao contingente das pessoas esclarecidas, que conhecem bem os limites de lá e de cá. A propósito, você sabia que o médico, como qualquer outro prestador de serviços, também está sujeito às leis de defesa do consumidor? Tem alguns que de tanto se incomodarem, resolveram escrever suas receitas direto no computador, o que acho ótimo. Mas embora eu tire de letra essa questão, sei que para muitas pessoas as receitas médicas ainda continuam sendo um problema, e além da doença elas ainda têm que enfrentar dificuldades na hora de comprar os remédios. E as mais pobres acabam jogando fora seu único dinheirinho, comprando remédio errado, porque o atendente da farmácia... pensou que fosse! É preciso esclarecer esse povo, sei lá, parece que o pessoal tem medo de tocar nesse assunto, parece até um tabu, os médicos pintam e bordam com as receitas e fica tudo por isso mesmo, pelo menos é o que tenho visto por aqui. As pessoas mais necessitadas nem sabem que têm direito à uma receita legível.

Puxa vida, porque alguns médicos não cumprem a ética e insistem nos garranchos? E porque os consumidores aceitam de bom grado essa falta de respeito? Não, gente, chega de baixar a cabeça, temos o direito de exigir letra legível nas receitas médicas. É direito, não é favor. O Código do Consumidor nos protege, sem falar nas leis específicas dirigidas ao métier. Só para você ter uma ideia, a obrigatoriedade de letra legível em receituários médicos já vem de muito tempo aqui no Brasil. Em 1932, o Decreto 20.931, que regulamentou a profissão de médico, trouxe em seu artigo 15 a obrigatoriedade de escrever as receitas por extenso e bem legível. Mais tarde, em 1973, a Lei 5.991, dispondo sobre o controle sanitário de insumos farmacêuticos, em seu artigo 35 reforçou ainda mais: "somente será aviada a receita que estiver escrita por extenso e de modo legível". Em 1988 o Conselho Federal de Medicina fez publicar a Resolução n° 1246/88 que, em seu artigo 39 considera antiética a má-caligrafia, além de ser um exemplo de má-prática médica. Atualmente o novo Código de Ética Médica (CEM), em vigor desde 2010, estabelece que o médico deve escrever a receita de forma legível. Aí então, repito a pergunta: porque alguns médicos descumprem a lei e a ética impunemente? Respondo: porque os consumidores permitem. Então... Procon neles! E Ministério Público também. E justiça também. E imprensa também. É hora de botar a boca no mundo.

E como fica a escola no meio disso tudo? Já falei, a escola está certa. Ela nos ensina a escrever e ler letras legíveis. Garrancho na receita é outra coisa, talvez Champolion ajude, mas eu prefiro o Procon.

Humpf! Tem umas buzinadas aqui no meu ouvido: e os atrasos nas consultas? Calma, isso é assunto para outro post. 

Marli Soares Borges, 2013

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* "Garranchos nas receitas médicas" foi publicado pela primeira vez no Blog da Marli

quarta-feira, outubro 30, 2013

FAMíLIA EM CONEXÃO COM A PAZ

A paz não é um fim, não é um objetivo nem algo que se busque alcançar no presente ou no futuro. A paz é situação real, diária, modo de ser e de estar que se propaga quando interagimos com o outro. É salvo-conduto para o mundo, e inaugura-se na família, um microcosmo por excelência. Acredito muito numa coisa que chamo "Centro de Paz". Não é propriamente um lugar, mas um modo pacífico de interagir e compatilhar a vida com as pessoas, ou seja escolher a paz, abandonando os encontrões e as grosserias. O coração pacífico, o comportamento pacífico apesar dos senões, e sem se anular como pessoa. Penso que a familia pode ser o cenário do primeiro "Centro de Paz" na vida de cada um de nós. O ambiente familiar nos oferece uma rara oportunidade para entender e praticar a paz verdadeira. Nossos familiares nos põe à prova, instalam o céu e o inferno em nossas vidas e testam nossos ímpetos como ninguém. Muitas vezes precisamos ter nervos de aço para neutralizar certos conflitos familiares e, ao mesmo tempo lidar com os ditames de nossa guerra interior. Tudo isso, ali, em meio a laços afetivos de dimensão inestimável. E nesse fogo cruzado precisamos fincar o pé e sustentar a paz, afinal, família é família. Daí minha ideia desse primeiro "Centro de Paz". É um teste visceral. E você tem que estar em paz com a tua guerra, seja ela qual for, porque, se você não sabe, é esse estado mental -- pacífico ou beligerante -- que você vai refletir, lá fora, inconscientemente, em todas as suas relações pessoais. Entenda, você pode ser a paz no mundo, você é causa e consequência. Gosto de ir além, e pensar no mundo como um grande "Centro de Paz". Marli Soares Borges

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sábado, outubro 26, 2013

GENERALIZAR NÃO É PRECISO

Detesto generalizações, mas parece que elas me perseguem. Veja só o que encontrei num artigo escrito por uma especialista em "psicologia da vida a dois" -- nossa, estou por fora, eu nem sabia que existia esse tipo de especialização. -- Ela afirma o seguinte:"O silêncio é inimigo do amor. O silêncio mata o amor. Quem ama sempre tem o que falar. Sempre. Sem assunto, sem amor."

Bom, aí pisou no meu pé.

Maldita mania de generalizar. Quem disse que estar em silêncio incomoda? Quem disse que palavras são requisitos do amor? Será que todo o silêncio é ruim? Será mesmo, que o silêncio mata o amor? Será que ninguém nesse mundo aprecia o silêncio? Alto lá, eu aprecio. E meu marido também. E como nós, milhões de pessoas, aposto. Não vejo nada de mais no fato da gente ficar algum tempo, ao lado de alguém, sem se falar. E seguir vivendo assim, às vezes em silêncio, simplesmente. E estar feliz. Ninguém tem assunto o tempo inteiro. E se você já vive uma história de vida ao lado de outra pessoa, vai entender muito bem do que estou falando.

A meu ver, entre duas pessoas que se amam e compartilham a vida, existe pelo menos, dois tipos de silêncio: um baseado no sossego, na serenidade e na confiança. É silêncio que não incomoda, ao contrário, gratifica e liberta. É bálsamo suave, que conforta e alinha os caminhos; sinal de que está tudo bem. Retrata o amor absoluto, a doce intimidade, a parceria concreta. O grande poeta Fernando Pessoa, com seu brilho tão peculiar, escreveu certa vez: "Há tanta suavidade em nada dizer, e tudo se entender" . Algo me diz que ele se referia a este tipo de silêncio. E agora escute só o que encontrei na Desiderata: "Siga tranqüilamente entre a inquietude e a pressa, lembrando-se de que há sempre paz no silêncio." Recordo ainda as palavras de Machado de Assis, -- meu ídolo de priscas eras. -- Disse ele: "Eu gosto de olhos que sorriem, de gestos que se desculpam, de toques que sabem conversar e de silêncios que se declaram.” Eu idem, ibidem.

Mas reconheço que há também um silêncio que incomoda, que mina qualquer relação, que impede o entendimento, que retrata amargura e desamor. Esse silêncio vem aos gritos e se afoga nas palavras não ditas. É mais ou menos como estar numa câmara escura. Você simplesmente não vê saída e seu coração sufoca. As mágoas são tantas que se você abrir a boca, não haverá munição que chegue. Então você decide que é melhor silenciar. Talvez a autora do texto -- bastante jovem -- só conheça este tipo de silêncio. E, afoita, foi logo generalizando. Marcou bobeira a moça.

Generalização não bate comigo. No mais das vezes, as generalizações resultam numa mentira com aparência de verdade. Um perigo.

Marli Soares Borges