Esse post eu não gostaria de publicar. Não mesmo. Mas enfim, são coisas da vida.
Amigos, José Saramago morreu. Aos 87 anos ele nos deixou. E já está fazendo falta. Em sua homenagem, republico um texto que escrevi em março deste ano. Naquela ocasião, eu falei o seguinte:
José Saramago é "o cara". Vejam só o que ele escreveu no livro "Viagem a Portugal". A gente lê e pensa, ah isso eu já sabia, é assim mesmo, é isso aí. Pois saibam que essa é uma das razões pelas quais ele é um "prêmio nobel" festejado por milhares de leitores no mundo afora. Ele mesmo disse numa entrevista que sua arte consiste em tentar mostrar que não existe diferença entre o imaginário e o vivido, pois o vivido poderia ser imaginado, e vice-versa. E conseguiu.
Pelo que sei, esse livro resultou de uma viagem que ele fez por Portugal, buscando descobrir novos caminhos, diferentes daqueles que todos já conhecem. "Não sei por onde vou, só sei que não vou por ai". Pois bem.
Há poucos anos, andei pensando na vida como se fora uma viagem, e confesso, senti uma pontinha de inquietação. Bem que eu gostaria de ter trocado umas idéias a respeito, mas, já viram, nas férias ninguém quer saber desses assuntos. Noutro dia, lendo o dito livro, constatei que eu não estava sozinha, o grande Saramago, com sua percepção aguçada e invejável fluência verbal, já havia anunciado que a vida é uma viagem, mas com um detalhe, ele diz que é preciso recomeçar sempre essa viagem. E é aí que o bicho pega. Como (re)fletir, (re)ver, (re)começar, nessa correria, nessa doideira atroz que a gente vive, nesse salve-se quem puder? Você já notou que o caos (isso mesmo, o caos) está informatizado? É mole? E sobra o quê pra nós? Seguir caminhando e cantando numa viagem sem volta. Confesso que isso me inquieta muitíssimo. Mas descobri um remédio. Acabou de cair a ficha. É o seguinte: não tem conversa, temos que literalmente, "comprar" um tempo para nós, afinal, é óbvio que ninguém vai nos dar esse tempo. Muito simples, então a gente compra, paga, assume as consequências! Beleza, aí, poderemos alimentar nosso espírito e tomaremos coragem para (re)começar nossas viagens pelos caminhos da vida. Os nossos (re)começos. Agora sim, de alma lavada, posso concordar com Saramago, "é preciso voltar aos passos que não foram dados".
Chega de conversa. Eis o último parágrafo do livro. Delícia!
«A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: “Não há mais o que ver”, sabia que não era assim. O fim da viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.»
A propósito, "Viagem a Portugal" é um abraço pra quem gosta de história e arte. Saramago passeia por castelos e ruínas, entra nos museus e nas igrejas, dá uma palhinha sobre estilos arquitetônicos, conhece , pintores, azulejistas, escultores, enfim, dá uma aula de história pra gente. Ele inicia sua viagem lá no norte do país, na fronteira com a Espanha e vem descendo em direção ao sul.Mas o que mais me agradou, foram as opiniões que ele vai dando, as coisas que vai contando... cada coisa... show de bola! Podes crer, se um dia eu for a Portugal, com certeza o livro vai comigo, (ah, se vai!) Conto com Saramago, ele vai me fazer prestar atenção nos detalhes das coisas que, caso contrário, passariam batidas.Bom, gente, é verdade, o livro não tem fotos. Mas pra que, se do jeito que ele escreve a gente sente até o cheiro? Rsrsrs.Em tempo, ainda ele: "Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo."
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Retorno em breve. Até mais.
-Marli Soares Borges-