domingo, maio 15, 2011

QUERO LER TODOS ESSES LIVROS?

Todo mundo diz que gosta muito de ler. Okay, eu também. Mas como falei alhures, não leio tudo que me cai nas mãos. Tenho critérios. Aprendi que a leitura, além de informativa, é fonte prazer. Sem essa de andar por aí lendo tudo o que encontro. Leio bulas, manuais, panfletos, etc., mas só e quando me interessam. No passado eu era diferente e, no quesito livros, chegava a ler vários ao mesmo tempo.

Mas hoje em dia, mudei. Não quero mais ler tudo isso, não tenho mais tempo. Quero ler, mas também fazer outras coisas que me dêem gratificação imediata. Origami, por exemplo, é uma arte que me seduz! E os livros de origami são um capítulo à parte. Um genuíno prazer.

Pois não é que achei alguém que pensa como eu? Na verdade, acho que muitos pensam assim, mas, cadê coragem para expor um pensamento que segue na contra-mão das massas?

Então. Esse alguém a quem me referi, é nada mais, nada menos que o grande Rubem Alves!* E essa sincronia que encontrei no pensamento dele com o meu, é uma honra para mim. Por isso, resolvi trazer aqui o texto pra você ler. É longo, mas maravilhoso. Ele tem uma prosa poética e encantadora, um verdadeiro fascínio.

Grande Rubem, é tudo com você, please, solte o verbo!

LER POUCO
Jovem, eu sonhava ter uma grande biblioteca. E fui assim pela vida, comprando os livros que podia. Tive de desenvolver métodos para controlar minha voracidade, porque o dinheiro e o tempo eram poucos. Entrava na livraria, separava todos os livros que desejava comprar e, ao me aproximar do caixa, colocava-os sobre o balcão e me perguntava diante de cada um: “ Tenho necessidade imediata desse livro? Tenho outros, em casa, ainda não lidos? Posso esperar?” E assim ia pegando cada um deles e os devolvendo às prateleiras. A despeito desse método de controle cheguei a ter uma biblioteca significativa, mais do que suficiente para as minhas necessidades.
Notei, à medida em que envelhecia, uma mudança nas minhas preferências: passei a ter mais prazer na seção dos livros de arte nas livrarias. Os livros de ciência a gente lê uma vez, fica sabendo e não tem necessidade de ler de novo. Com os livros de arte acontece diferente. Cada vez que os abrimos é um encantamento novo! Creio que meu amor pelos livros de arte têm a ver com experiências infantis. Talvez que os psicanalistas interpretem esse amor como uma manifestação neurótica de regressão. Não me incomodo. Pois, em oposição à psicanálise que considera a infância como um período de imaturidade que deve ser ultrapassado para que nos tornemos adultos, eu, inspirado por teólogos e poetas, considero a maturidade como uma doença a ser curada. Bem reza a Adélia Prado: “ Meu Deus, me dá cinco anos, me cura de ser grande...” E não pensem que isso é maluquice de poeta. Peter Berger, um sociólogo inteligente e com senso de humor, definiu “maturidade”, essa qualidade tão valorizada, como “ um estado de mente que se acomodou, ajustou-se ao status quo e abandonou os sonhos selvagens de aventura e realização...” Menino de cinco anos, eu passava horas vendo um livro da minha mãe, cheio de figuras. Lembro-me: uma delas era um prédio de dez andares com a seguinte explicação: “Nos Estados Unidos há casas de dez andares.” E havia a figura de um caçador de jacarés, e de crianças esquimós saudando a chegada do sol.
O fato é que comecei a mudar os meus gostos e chegou um momento em que, olhando para aquelas estantes cheias de livros, eu me perguntei: “Já sou velho. Terei tempo de ler todos esses livros? Eu quero ler todos esses livros?” Não, nem tenho tempo e nem quero. Então, por que guardá-los? Resolvi dar os livros que eu não amava. Compreendi, então, que não se pode falar em amor pelos livros, em geral. Um homem que diz amar todas as mulheres na verdade não ama nenhuma. Nunca se apaixonará. O mesmo vale para os livros. Assim, fui aos meus livros com a pergunta: “Você me ama?” ( Acha que estou louco? É Roland Barthes que declara que o texto tem de dar provas de que me deseja. Há muitos livros que dão provas de que me odeiam. Outros me ignoram totalmente, nada querem de mim... ). “Vou querer ler você de novo?” Se as respostas eram negativas o livro era separado para ser dado. Essa coisa de “amor universal aos livros” fez-me lembrar um texto de Nietzsche sobre o filósofo Tales de Mileto, em que ele recorda que “a palavra grega que designa o “sábio” se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem de gosto mais apurado; um apurado degustar e distinguir, um significativo discernimento, constitui, pois, (...) a arte peculiar do filósofo. (...)A ciência, sem essa seleção, sem esse refinamento de gosto, precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço; enquanto o pensar filosófico está sempre no rastro das coisas dignas de serem sabidas...” E depois, no Zaratustra, ele comenta com ironia: “Mastigar e digerir tudo - essa é uma maneira suina.”
O fato é que muitos estudantes são obrigados a ler à maneira suina, mastigando e engolindo o que não desejam. Depois, é claro, vomitam tudo... Como eu já passei dessa fase, posso me entregar ao prazer de ler os livros à maneira canina. Nenhum cachorro abocanha a comida. Primeiro ele cheira. Se o nariz não disser “sim” ele não come. Faço o mesmo com os livros. Primeiro cheiro. O que procuro? O cheiro do escritor. Se não tem cheiro humano, não como. Nietzsche também cheirava primeiro. Dizia só amar os livros escritos com sangue.
Ler é um ritual antropofágico. Sabia disso Murilo Mendes quando escreveu: “No tempo em que eu não era antropófago, isto é, no tempo em que eu não devorava livros - e os livros não são homens, não contém a substância, o próprio sangue do homem?” A antropofagia não se fazia por razões alimentares. Fazia-se por razões mágicas. Quem come a carne do sacrificado se apropria das virtudes que moravam no seu corpo. Como na eucaristia cristã, que é um ritual antropofágico: “Esse pão é a minha carne, esse vinho é o meu sangue...” Cada livro é um sacramento. Cada leitura é um ritual mágico. Quem lê um livro escrito com sangue corre o risco de ficar parecido com o escritor. Já aconteceu comigo...
 * Rubem Alves é teólogo, filósofo e psicanalista, autor de 40 livros.
Tirei daqui.

13 comentários:

  1. Marlizinha acho que com o tempo a gente vai aprendendo a selecionar e a perceber o que nos dá prazer. Na juventude, muitas vezes, não "cheiramos", só comemos as palavras e os textos e assim corrermos sérios riscos de que tudo passe nada fique. Mas considerando uma nação que não gosta de ler, que não compra livros e enm frequenta bibliotecas, que leiam bulas de remédios. Rsrsrs. Bjs

    ResponderExcluir
  2. Nunca tinha ouvido falar do autor citado e , no entanto, como me identifico com as suas sábias palavras.
    Por formação e por vocação tenho sempre entre mãos um livro, o qual, por definição, para mim é um objeto de prazer. Cedo defino, "cheiro", diria, se o livro merece o meu tempo, se me merece.
    Tal como só me dou, como amiga,como pessoa, a quem me merece, o mesmo pratico com os livros, ainda que acompanhados dos mais rasgados elogios. Se não merecem a minha atenção, se não suscitam os meus afetos, afasto-os.
    Por isso, cada vez mais regresso aos clássicos que, como os velhos amigos, não decepcionam, são o que são e assim amam e são amados.

    Belo texto o seu e brilhante o desenvolvimento do seu raciocínio.
    O autor em que se apoia é de uma candura, de uma verdade simples e, por isso, apaixonante .
    Beijos,
    Nina

    ResponderExcluir
  3. Genial, Marli. Taí...jamais iria me desfazer de um livro de Rubem Alves. Esse é o cara.:)
    Amo suas crônicas e sua linha de pensamento.
    Quanto às bulas, nem fale,devoro todas. :) Interessante que ao ler o título do seu post, vim correndo aqui. Estou, nesse momento, numa livraria folheando um livro que estou de olho há algun tempo:" UM DIA", de David Nichols. De acordo com as informações (as melhores) e a sinopse, recomendo. Que me perdoe o grande Rubem Alves, mas esse livro falou comigo. :)

    Um beijo pra você e parabéns pelo post!!

    ResponderExcluir
  4. gostei de ler esse artigo. beijos

    ResponderExcluir
  5. Adoro Rubens Alves, conheci seus livros a um tempão, estava fazendo pedagogia e tinhamos que ler seus livros, estórias de quem gosta de ensinar... o amor que acende a lua e outros, eu degustava-os. Quanto ao critério adotado, penso que chegamos em uma fase reflexiva para nossas escolhas. O importante é gostar do que lemos, sentir prazer e encontrar tempo para saborear a vida. Seu título me chamou a atenção, vim direto ver que livros, rsrsrs, chegando aqui veja o que encontro. Bjs.

    ResponderExcluir
  6. Oi Marli

    Eu tenho uma biblioteca enorme também. Nasci e cresci em meio aos livros e assim o fiz com os meus.
    Há pouco tempo doei os de Monteiro Lobato, mas tenho aos montes a Literatura Brasileira e Portuguesa, desde o Romantismo e muitos outros de outros autores. Fora os clássicos. Estou para separá-los e doar também.
    Já fui uma devoradora de livros também, e vejo hoje isso acontecendo com minha filha.
    Como ela se delicia quando vamos a uma livraria.
    Escolhe vários e em pouco tempo quer mais. Troca, empresta, compra.
    Eu já fiquei mais seletiva de uns tempos para cá.
    Muitos dizem que quem não lê, não tem Cultura. Pois então estou perdendo a minha. rs
    Excelente texto de Rubem Alves.
    E vamos aos livros de arte.

    Bjs no coração!

    Nilce

    ResponderExcluir
  7. Querida Marli.
    Que saudades em vir aqui,nao sei porque demorei tanto em voltar e quando volto caio nesse post maravilhoso que tudo tem a ver com a minha incognita com relaçao aos ivros hoje em dia.
    Me identifiquei em varias partes no otimo texto do Rubem.
    Sera realmente coisa da idade..rs? Tenho lido bem menos que no passado e muitas vezes me pego com uma culpable enorme, mas lendo esse texto estou, "culpa free"......hahaha....adorei.
    Sinto tambem que, com a existencia da internet estamos lendo mais virtualmente, o que nao fazíamos no passado.
    Adorei esse post Marli querida.
    Bjs.

    ResponderExcluir
  8. Oi, Marli, o texto é deveras lindo, irretocável. Eu também tenho procurado me desfazer de leituras que não me proporcionem prazer apenas. O problema é o vício. Eu sempre leio tudo para ver se vale a pena. Quando vou ver que algo não veleu, já li. rsrs. Atualmente estou treinando com a comida e depois vou passar a fazer com a leitura: o aprendizado da degustação em vez de simplesmente comer. Abração e ótimo final de semana. Paz e bem.

    ResponderExcluir
  9. Marli, o comentário anterior é meu. Saiu com o login da Anacrisliu, que entrou aqui no gmail e eu esqueci de mudar. Abraços. Paz e bem.

    ResponderExcluir
  10. Marli querida.
    Nao acrediiiiiiiiito!!!!
    Ontem ou anteontem deixei um comentario gigante aqui nesse otimo post e nao saiiiiiu.....ai....Ja nao lembro o que escrevi!!!!!
    Lembro que comentei que nao entendia como minha tempo que nao passava por aqui e que justamente voltando, caía nesse post divino.
    Lembro ter comentado algo em relação ao meu momento com os livros, o quanto me identifiquei com o otimo pensamento do Rubem Alves.
    Tenho lido bem menos que no passado e muitas vezes me culpo enormemente por isso, e esse post resumiu perfeitamente o que tenho sentido.
    Alem do mais lemos virtualmente uma grande quantidade de textos, o que nao fazíamos antes.
    Ufffa....rs...acho que consegui colocar algo do que tinha escrito antes, Marli.
    Adorei o post.
    Beijocas.

    ResponderExcluir
  11. Hahahaha...como eu ri com o seu comentario la no blog Marli!!!!
    Ameeeei....
    Movimento dos Sem Casinha....hahahah...
    Beijocas!!

    ResponderExcluir
  12. Querida, por causa do meu trabalho sou obrigada a ler tudo...rs
    Mas alguns dá vontade de abandonar, preciso ser sincera...rs

    bjkas

    ResponderExcluir
  13. Amei o texto do Rubem Alves!

    Também eu, apesar de sempre ter sido uma devoradora de livros (desde pequena), com a idade me tornei bem mais seletiva.
    Nunca deixo de ler, quando estou acabando com um, já tem outro à espera. Mas são livros que eu quero ler, pois sei que me trarão prazer e me acrescentarão algo de bom e de novo.
    Já foi o tempo que eu lia só porque o livro estava por ali "dando bandeira", e era só pegar e ler... Hoje, não posso mais me dar ao luxo de gastar meu tempo de qualquer forma. E olha que isso se aplica até para viagens: tirando casa de filho, só viajo pra lugares que ainda não conheço :)

    Beijão, amiga, tenha uma linda semana.

    Cid@

    ResponderExcluir

BOM VER VOCÊ POR AQUI!
Procurarei responder a todos e retribuir as visitas com a maior brevidade possível. Abraços. Marli