O Livro da Vida |
Eu sempre soube que naquele livro havia mais do que histórias. Muito mais. Aquele livro sempre me fascinou, era tão lindo, tão poderoso. Capa dura, grandes letras douradas. A lombada, a gente via de longe, tão bonita que era. E meu avô vivia lendo, que é pra ter o que te contar, menina! Depois ele guardava o livro, sempre embrulhado num papel de seda. E me contava as histórias, algumas bem tristes, outras alegres e engraçadas. E eu adorava. Ele era um homem bom, muito alegre e de bem com a vida. E sabia contar histórias com alma. E assim como eu chorava, eu também dava boas risadas.
Então cresci e fui cuidar da minha vida.
Numa manhã, no dia em que completaria 84, meu avô se foi. Fechou os olhos tranquilamente e foi ter com os anjos. E minha vó me deu o livro, dizendo que ele havia deixado para mim. O embrulho era o mesmo, o papel de seda surrado. Eu, morta de tristeza, nem abri o pacote, era muito recente a partida do meu querido contador de histórias, o homem que recheou minha infância de quimeras. Coloquei o livro na estante e prometi a mim mesmo que um dia iria abri-lo para me deliciar.
O tempo foi passando e minhas crianças crescendo, então lembrei do livro. É agora, pensei, vou matar vários tipos de saudade e ainda abastecer minha mente com lindas histórias para encantar meus filhos.
Feliz da vida corri para a estante. E não é que comecei a tremer? Minhas recordações avivaram-se e a emoção tomou conta de mim. Qual será a primeira história que vou ler? E qual será a primeira que vou contar para meus filhos?
Lembrei de uma que ele contava e que sempre me fazia chorar: uma família pobre, onze irmãos, todos crianças. Os meninos ajudando na roça e as meninas em casa, cuidando dos pequenos, das limpezas e da comida. Aquela mesa compriiiiiida e aquela panelona, todos os dias... quase sempre a mesma comida, e aquela mãe, sempre trabalhando na roça com o pai, e... sempre grávida. Pobre mulher. Com aquele barrigão e arando aquela terra ressequida, dura como pedra, naquele sol escaldante. De vez em quando ela parava e secava o rosto com a ponta do avental. E colocava as mãos nas cadeiras e forçava as costas para trás, para aliviar a dor. E prosseguia.
Quase chorei de novo.
Ah, meu Deus, com tantas histórias alegres e engraçadas, fui lembrar logo dessa? Não, essa não vou contar primeiro. E eu escutava a voz dele: "espera crescer menina, tu vais encontrar muitas histórias bonitas nesse livro aqui".
Peguei o livro e corri os olhos para o título: O LIVRO DA VIDA.
O tempo modifica tanto as coisas... lembrei de meu avô embrulhando o livro para que não estragasse. Não adiantou. As páginas estavam amareladas, as letras apagadas e quase nada havia para ler. Inexplicavelmente duas páginas intactas. Abri. Então pude ver a letra tremida do meu avô: "Vai, menina, agora é a tua vez de ler o livro da vida! Vai e conta tuas histórias para os teus. As minhas eu já contei".
Finalmente entendi tudo. Descobri onde ele "lia" as histórias que me contava. Meu avô era o irmão mais velho numa família de onze irmãos.
- Marli Soares Borges -
NOTA:
Esta é minha participação na BC da Norma: "Histórias do viver" do Blog Pensando em Família. A proposta é utilizar a imagem do post e narrar uma história, ou seja, "selecione um fragmento, evento, uma situação ou fase significativa da sua existência para compartilhar".
Participação lindissima, brilhante.
ResponderExcluirNas histórias de cada ser humano se escreve a história da vida. Amei o final. Simplesmente maravilhoso.
Cumprimentos poéticos
Muito obrigada, R y k @ r d o.
ExcluirQue bom que você gostou, nossas vidas, nossas histórias. É isso, não é?
Bjs
É mesmo sem dúvida alguma
ExcluirRetribuo o beijinho
UAU! Arrepiei ! Que emocionante e tão lindo! E, realmente, cada um tem o livro de sua vida e as histórias a serem pasdsadas aos filhos e netos são as nossas ou a que nos marcaram. Parabéns! beijos, chica
ResponderExcluirMuito obrigada, Chica.
ExcluirAdoro emoções e tento passá-las para os meus textos. Nem sempre consigo, mas vou tentando.
Bjs
UAU! me emocionei com sua participação, que também me encantou. Sei do valor das histórias da vida familiar e suas repercussões na vida de seus membros. Que sabedoria do seu avô e que beleza de legado. Grata pela sua participação e partilha. bjsss
ResponderExcluirMuito obrigada, Norma.
ExcluirMeu avô foi um homem muito sábio e seu legado é único e inesquecível. Eu que agradeço a oportunidade de participar da blogagem.
Bjs
Bom dia Marli, um conto com emoção de um tempo de infância, que parece não existe mais. Viajei nas suas palavras e encontrei o menino ouvindo historias e causos de assombração, numa cozinha desgarrada da casa e sempre com um prato de mingau de fubá. Depois o medo no sono e os pesadelos revendo os causos e historias. Vivemos um tempo bom de contar e ouvir historias.
ResponderExcluirGostei amiga.
Beijo de paz no coração.
Muito obrigada, Toninho.
ExcluirAdoro contar e ouvir histórias, principalmente as histórias reais, vividas e muitas vezes sofridas. Quero um pouco desse mingau de fubá e dessas histórias de assombração. Ah, se quero!
Bjs
Que bela estória. Por vezes acreditei que tratava da Bíblia Sagrada.
ResponderExcluirBoa semana!
Jovem Jornalista
Instagram
Até mais, Emerson Garcia
Muito obrigada, Emerson.
ExcluirNão! nada de bíblia,rs. Meu livro não é sagrado. É o Livro da Vida e tem 'recuerdos' da minha vida, nua e crua, sofrida e colorida, minha vidinha essa daqui, ó. O que é sagrado mesmo é o sopro da vida que Deus me deu, isso sim.
Bjs
Olá Marli
ResponderExcluirE a emoção tomou conta de mim ao ler a sua história.
Linda demais!
Fiquei encantada!
Te desejo uma abençoada nova semana.
Beijinhos
Verena.
Muito obrigada, Verena.
ExcluirEmoção é tudo de bom. Que bom que você gostou.
Bjs
Amei a tua participação, Marli, cheia de emoções e encantos. A vida com os seus detalhes e lembranças. Que bom que pela formação que teve e o carinho tão grande do sábio avô, hoje você tem muitas histórias para contar e abençoar a quem as ouve.
ResponderExcluirUm grande abraço ...
Muito obrigada, Anete!
ExcluirFico muito feliz que você tenha gostado e se emocionado. É tão bom, não é?
Bjs
Uma participação muito bela e esmerada. Amei!:)
ResponderExcluir.
A ousadia dos sonhos...
.
Beijos, e uma boa noite! :)
Muito obrigada, Cidália. Volte sempre.
ExcluirBjs
Histórias infantis pega a gente pelo coração e a nostalgia se instala, Marli , eu que o diga já que estou revivendo as peraltices dos filhos , com um neto que caiu aqui no meu colo risos
ResponderExcluirE haja histórinhas da vida toda...
As participações nos Desafios Literários é uma fonte de inspiração que desafia essa gente boa nessa Arte de ler e escrever. Muito bom,Marli
deixando abraços e agradecendo sua visitas, somo uns ausentes sempre presentes. Isso também, eu gosto .
Eu amo ler!
Muito obrigada, Lis.
ExcluirGostei dessa: "ausentes sempre presentes"
E que ninguém duvide!
Bjs
Que linda história Marli!
ResponderExcluirQue bela história, bela representação a sua, uma lição de vida!
*Fez-me recordar as histórias que meu pai contava, era um grande contador de histórias baseadas em fatos reais.
Tenha uma feliz noite.
Beijos com carinho.
Muito obrigada, Fatyma.
ExcluirRecordar é viver. Vamos recordar.
Bjs
Uma história encantadora...uma lição de vida, recheada de amor e há novas histórias a escrever a partir dessas memórias.
ResponderExcluirObrigada pela visita; hoje há um desafio no Com Amor.
Espero que participe...
Beijos e abraços
Marta
Muito obrigada, Marta.
ExcluirQue bom que você gostou.
Bom final de semana
Bjs
Parabéns Marli.
ResponderExcluirUma participação tão bem descrita e emotiva, que me emocionou e cativou desde à primeira à ultima palavra.
É um dom saber escrever histórias, com essa ternura na palavra.
Obrigada por este belíssimo momento.
Beijinho
Muito obrigada, Fê.
ExcluirVocê é muito generosa, querida amiga. Não estou com essa bolinha toda, rs, mas, um elogio assim, vindo de você, uma pessoa que tem uma escrita maravilhosa, me faz muito feliz. Obrigada, de novo.
Bjs
Bom dia, Marli.
ResponderExcluirObrigada por brincar junto lá no blog.
Te desejo um lindo dia.
Beijinhos
Verena.
Adorei a brincadeira!
ExcluirBjs
Realmente é um belo livro da vida!!! 👏👏👏
ResponderExcluirObrigada!
Excluirbjs
Boa tarde Marli,
ResponderExcluirQue história de vida tão linda!
Seu Avô era um Sábio!
Deixou-lhe um legado muito importante.
Emocionei-me, porque também tive um Avô muito especial!
Um beijinho, Amiga, e bom fim de semana.
Feliz outubro.
Ailime
Muito obrigada, Ailime.
ExcluirVocê se emocionou e lembrou de seu avô? Ah, isso é bom demais! Escreva sobre seu avô, estou louca para saber!
Bjs
Ainda tenho doces e café fresco no 'A Vivenciar'...
ResponderExcluirBom fim de semana, Marli. Bjs.
~~~~~~
ok
Excluirbjs
Marli, peço desculpa por não ter comentado o seu texto, mas estava convencida que o tinha feito...
ExcluirPor vezes acontece ter que interromper o comentário por algum motivo e fico só pela leitura...
Uma participação comovente e ótima. Beijos.
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Gostei muito desta história
ResponderExcluirEu também.
ExcluirBjs
E eu, Marli, lembrei de meu pai, o terceiro de doze irmãos que aprendeu no " livro da vida " aquilo que o seu pai não quis ensinar aos filhos; aprendeu e fez questão de nos transmitir, que o mais importante na vida é a familia e, principalmente os filhos; aprendeu com a vida dificil que teve, principalmente falta de carinho por parte do pai, que esse era o maior tesouro que podia dar aos filhos. Simples taxista de aldeia, luxos não nos pode dar, mas nunca nos faltou o essencial para os estudos, um livrinho para eu ler ( já em criança gostava...) e, principalmente um beijinho na hora de se deitar, tantas vezes de madrugada, dada a profissão que tinha. Não tive um avó como o da tua história, mas, graças aos seus erros, tive um pai fantástico e que soube ser um avó maravilhoso que deixou boas recordações aos netos, quando há três anos, partiu com a bonita idade de 89. Obrigada, Marli, por me teres permitido deixar aqui este testemunho de gratidão, não ao meu avô ( só conheci um...), mas, sim ao avô dos meus filhos, o meu querido PAI. Beijinhos e bom fim de semana
ResponderExcluirEmilia
Muito obrigada, Emilia.
ResponderExcluirGostei de ler seu testemunho, que bom que você lembrou e deixou registrado aqui. É sinal de que meu texto serviu pra alguma coisa, rs. Volte mais vezes, adoro ler seus comentários, você tem o dom da palavra.
Bjs
🙏 ♥️ 🌻
ExcluirBoa tarde Marli.
ResponderExcluirSe tem uma coisa que gosto dessa vida, são os aprendizados dela.
Tem pessoas que são tão especiais e marcantes em nossa vida, que a gente nunca esquece... E as lembranças são sempre as atitudes, os gestos... Pode ter até objetos, mas o que marca são as atitudes sempre. Quanto carinho, quanto aprendizado.
Por aqui também, conto minhas histórias sempre, e logo penso em começar a deixar um caderninho com boas histórias, lembranças, frases e orientações. Acho que esse é o nosso maior legado.
Marli, agradeço imensamente a visita e palavras da última postagem que fiz, onde você enaltece ainda mais minha jornada de aprendizados...
Ameiiiii sua postagem! Amo ler histórias da vida, momentos marcantes com pessoas queridas...
Beijos no coração,
Ju
Muito obrigada, querida Ju!
ExcluirQue bom que você gostou. às vezes, eu me empolgo e falo demais depois fico preocupada que a pessoa não vá gostar... Volte mais vezes. Eu com certeza estarei sempre acompanhando e comentando suas postagens, que tenho apreciado muito.
Bjs
Olá, Marli!
ResponderExcluirAmei ler a história real, linda, emocionante, que aqui compartilha.
Não tenho memória dos meus avós, mas Deus me deu um pai maravilhoso. Partiu cedo, deixou dor, saudade e lembranças que guardo no coração. Agora, elas me ensinam a ser avó.
Beijo, feliz fim-de-semana, obrigada pelas visitas ao Pétalas.
Obrigada por estar aqui lendo e comentando.
ExcluirMinhas recordações sempre envolvem meus avós porque foram eles que me criaram desde que nasci. Te entendo muito bem, é tão triste quando perdemos nossos afetos. Por sorte eles nos deixam as lembranças que nos dão suporte para a vida.
Bjs