De tempos em tempos começo a fuçar nas minhas lembranças e aparece cada uma!
O que vou contar é uma história boba, sem a menor graça, mas aconteceu comigo e está na minha cabeça há décadas. E cada vez que lembro, fico com uma pulga atrás da orelha.
Eu devia ter uns cinco ou seis anos e morávamos - eu e meus avós - numa casa afastada da cidade. Meus dois únicos amigos, Elisa e Marquinhos, moravam na casa ao lado e eram irmãos, lembro deles até hoje. Costumávamos brincar no quintal da minha casa. Mas naquela tarde não teve brinquedo de pega-pega, estava muito calor e o sol fritando. Então resolvemos dar um passeio: visitar a igreja que estava sendo construída ali na esquina, dois terrenos depois. Passamos por debaixo da cerca e saímos escondidos, pois estávamos proibidos de pisar fora do nosso local de brincar. Chegamos na construção e ficamos embasbacados: a igreja era tão grande, mas tão grande que me deu até um arrepio na espinha, parecia que a gente havia encolhido. Olhamos para cima e nosso olhar se perdeu nas alturas. Mas, corajosos, seguimos em frente, pé ante pé, olhos arregalados e bico calado. Todo cuidado é pouco.
Foi então que vimos os respingos... Pior! sentimos uma saraivada de gotas grossas, milhares, de um vermelho intenso que mais parecia... sangue. Como assim? ninguém está machucado, ai meu Deus, e agora? por que fomos sair escondidos? onde se viu entrar numa igrejona assim, sozinhos? E se tiver um vampiro na tocaia? ou uma alma do outro mundo? por que não ficamos brincando como sempre no nosso santuário? Olhamos pra todos os lados e nada, nenhuma viva alma, um silêncio mortal. E o medo tomou conta de nós. Apavorados saímos dali à toda velocidade, correndo a mil, debaixo daquele sol escaldante. Cheguei em casa alucinada, no maior suadouro e lembro que minha vó me abraçou e não disse uma palavra, apenas secou meu rosto, me deu um pouco d'água e esperou até que eu me acalmasse. Mais tarde ela pediu pra eu contar "tudo", mas não havia nada para contar. Ninguém tinha um arranhão sequer, ninguém sentiu nenhuma dor e ninguém viu nada perigoso. Pensei, pensei e a única coisa real que vimos, uns nos outros, foram uns respingos vermelhos nas nossas roupas. E era coisa pouca.
Por causa desse "passeio" escondido, fiquei de castigo um tempão sem brincar com meus amigos (que também ficaram de castigo).
Não tem mais minha vó, não tem mais Elisa, não tem mais Marquinhos e minha casa de menina não existe mais. Fecho os olhos para ver melhor e... ah, como eu queria colher margaridas com minha vó, uma vez só, só mais uma, naquele canteiro tão lindo que ela plantava e cuidava com tanto amor!
Faz bem uns trinta anos que passei por lá novamente, queria rever um pedacinho da minha vida. E avistei a igreja. Sim, ainda existia, desgastada pelo tempo. E para minha surpresa, era uma igrejinha minúscula, pouco mais que uma capela. Meu olhar infantil viu além da aparência e o medo deve ter completado o 'serviço', rs. Quando lembro desse 'causo' sempre acho que falta alguma coisa. Pode ser que nessa volta à infância, minha memória tenha esquecido ou inventado algum detalhe, afinal não sou mais a mesma que vivenciou a história. Meu reino pra rever aquela tarde, em todos os detalhes e saber exatamente o que aconteceu!
Gosto muito dessas lembranças pueris que a memória me faz reviver. Além da vitalidade que me trazem, representam para mim um alento, uma distração, um refúgio nos dias da minha velhice.
- Marli Soares Borges -
Tu npos prendes com teu conto até o final, esperando mais. Adorei e fiquei curiosa o que seriam os respingos de "sangue",rs... beijos, lindo fds! chica
ResponderExcluirEu também, chica, mas acho que foi o medo mesmo, sei lá, rs
ExcluirAmei seu texto, Marli, fui junto nesta aventura infantil!
ResponderExcluirNa infância tudo tem um tamanho imenso, uns terrenos baldios são uma floresta e cheias de aventuras...
Eu fiquei a imaginar que seria alguma lata derrubada com restinho de tinta...enfim, não tem como saber, não tem como voltar no tempo, nem colher margaridas para a vó...Mas tem as valiosas recordações.
Adorei a leitura, abraço!
Verdade, só voltando pra saber a resposta, rs
ExcluirHá episódios na nossa infância, que nos marcam para sempre.
ResponderExcluirViajei consigo, através das suas emotivas palavras, e acho que a criança que habita em mim, também se assustou com esses "respingos de sangue", donde viriam o que seriam...
Memórias doces, que saboreamos lentamente.
Muito belo, adorei, Marli.
Um beijinho e feliz final de semana !
Isso mesmo, Fê, doces memórias... bjs
ExcluirHá dentro de nós tantas lembranças e ao contá-las, muitas vezes, os detalhes se perdem e a fantasia infantil nos domina. Amei seu conto. Que venham mais...Bjs
ResponderExcluirObrigada, Norma, pode ser que me lembre de mais alguma coisa, rs
ExcluirRecordações de infância que marcam e, por vezes, vêm à tona, Marli.
ResponderExcluirDescrevestes muito bem. Também fiquei curiosa o que seriam estes respingos.
Tenha um excelente dia e feliz fim de semana.
Beijinhos para você e ronrons da Juja para Dongo.
Verena.
É, às vezes explodem e a gente tem que contar, não é?
ExcluirRonrons e miaus pra Juja.
Lembranças da meninice quem as não tem?
ResponderExcluirGostei de ler essa sua memória.
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Bom fim-de-semana
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Obrigada, Ricardo.
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ResponderExcluirQue belo conto, Marli!
Quem não tem uma história de infância para contar, nossa viajei no tempo junto a você e só boas lembranças dos tempos de criança.
E o mistério dos respingos, dá para imaginar 3 crianças assustadas e curiosas, é lindo de Vê!
O meu palpite para desvendar os respingos vermelhos, é que já presenciei algo semelhante e era um "Morcego" degustando um inseto, o mesmo ficava pendurado no teto de uma casa abandonada e quem entrava lá, saía sujo de respingos de sangue. :)
Votos de uma feliz tarde e um excelente fim de semana!
Beijinhos
Pois é, também pensei, mas a construção era novinha em folha. Sei lá, rs.
Excluirbjs
Adorável te ler, sempre, Marli! Revisitar nossas lembranças é bom, ternurento, faz bem.
ResponderExcluirQue fato, no mínimo curioso, com certeza assustador, para vocês, crianças que sabiam que estavam fazendo arte rsrsrs, ficou um mistério sem resposta.
É tão legal a gente rever lugares que vimos ainda criança, tudo parecia tão grande e depois descobrimos que nós é que éramos muito pequenos.
Bom final de semana, querida, beijos
Valéria
Crianças apavoradas, "sai" de tudo! Fico só pensando, o que faz o medo...
ExcluirMarli, gostei muito de a ler, pela qualidade do texto, pelo humor e sensibilidade.
ResponderExcluirFoi um prazer recebê-la no meu 'blog'...
Bom fim de semana, Beijo
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Obrigada, Majo. Com certeza voltarei mais e comentarei muito mais vezes no seu blog! E você, apareça e comente. Os comentários são a melhor fatia do bolo. Bjs
ExcluirBoa noite de paz, querida amiga Marli!
ResponderExcluirHá tempos que não ouvia "pulga atrás da orelha"... Bem como "bico calado"...
Criança é bem curiosa e é indício de inteligência sadia.
Também estive espiando coisas da minha infância, faz um bem enorme.
Adorei a igreja enorme que ficou pequenina com o passar dos anos.
Quando na Dutra passo, vejo a igreja da minha infância, onde me batizei, fiz primeira comunhão. Só que não é mais a mesma cidade pacata e também não está lá minha querida vó Celina.
Amiga, está de parabéns pelo lindo conto.
Tenha um final de semana abençoado!
Beijinhos com carinho de gratidão
Obriga, Rosélia. Recordar é viver, não é?
ExcluirOlá, Marli!
ResponderExcluirÉ sempre agradável recordar coisas agradáveis, que nos faz bem falar delas.
Gostei deste seu texto/crónica.
Votos de um excelente fim de semana!
Beijinhos!
Mário Margaride
http:://poesiaaquiesta.blogspot.com
Com certeza, Mário. Já que recordar é viver, o jeito é viver de novo as coisas boas!
ExcluirLembranças de uma boa infância. Quantas aventuras são tão boas de lembrar desse tempo, né, Marli?! As crianças veem tudo numa dimensão extraordinária, muita emoção rola no mundo mágico delas.
ResponderExcluirGostei do que contou aqui. Recordar lances assim é construtivo à beça.
Bjs
Obrigada, Anete. Fico feliz que tu tenhas gostado.
ExcluirMuito bom ter estas lembranças de uma infância bem vivida com direito às aventuras como criança gosta, sem medir as condições perigosas. Belo conto com suspense e curiosidade Marli.
ResponderExcluirRecordar é viver mesmo né Marli.
Um bom domingo de alegria e feliz semana amiga.
Beijo de paz.
É verdade, às vezes eu me ponho a fuçar nas memórias e sai cada uma... Que bom que tu gostaste de ler!
ExcluirUma aventura, um mistério... ingredientes perfeitos e inesquecíveis para uma liberdade simples...
ResponderExcluirGostei muito...
Beijos e abraços
Marta
Que bom, Marta, fico feliz que tu tenhas gostado de ler!
ExcluirA infância, feliz ou triste, é fator determinante em nossas vidas, porque é nessa ocasião que imprimimos na alma esses primeiros anos e seguem com a gente, inconscientemente dirigindo nossas ações. E quando a memória nos traz os momentos marcantes , assim como narrados no teu conto maravilhoso, e muito prazeroso .
ResponderExcluirMuito bem escrito o teu texto, Marli , me prendeu a atenção de forma super agradável. Parabens!
Feliz Domingo!
Beijinhos
Obrigada, Maria Lucia! Bom saber que tu gostaste e leste com prazer. É isso que vale pra gente quando escreve, não é?
ExcluirAdorei ler a sua história, talvez os respingos fossem de tinta, teriam a pintar alguma coisa ali perto?
ResponderExcluirTambém adoro rever os meus tempos de criança na casa dos meus avós, quanta saudade me dá, quantas lembranças, às vezes até me parece que sinto ainda o cheirinho das acácias em flor. Tempos mágicos, cujas recordações que nos ajudam a ultrapassar, os momentos menos bons que surgem no presente.
Obrigado por partilhar a sua história.
Beijinhos
Também acho que era tinta, mas o medo era tão grande que "sentimos" isso e aquilo, rs. Pena que não não consigo recordar. Mas, enfim, contei a história!
ExcluirFico feliz que tenhas gostado.
Nada de bobeira aí. Vou contar uma também, assim como você, eu bem pequeno também. Eu ficava muito próximo de minha mãe o dia todo, sozinhos em casa, apesar da família numerosa. Já eram umas 18:30h, eu fui ao quintal e vi uma bola meio dourada, meio vermelho, de tamanho um pouco grande pra minhas mãos, caindo no quintal. Não tive medo, corri lá, mas não tinha nada. Contei pra minha mãe, e ela disse, que era uma tal de "menina do ouro"( não lembro se é esse o nome certo), e disse que só crianças especiais podiam ver rs rs. Coisas de mãe.
ResponderExcluirGostei da tua história! acabei lembrando de outra que aconteceu comigo parecida com a tua. Vou ver se consigo lembrar bem e fazer um post contando. Mas no fim das contas, não comentaste nada sobre o meu post. E aí, gostou ou não?
ExcluirOh, desculpe. Eu ia falar primeiro do seu post. Adorei. Eu quis dizer, "nada de bobeira aí, é muito gostoso lembrar essas aventuras, coisinhas de criança que não saem da mente, algumas, como essa que contou, marcam mesmo... e parecem mentiras, mas não são, por isso emendei a minha, pois achei bem parecidas. Gostei muito.
ExcluirGostei imenso de ler esta memória da sua infância. Muito bem contada. A infância é assim mesmo: a realidade a misturar-se com a imaginação. E marcam-nos para sempre.
ResponderExcluirUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Obrigada, querida amiga! Fico feliz que tenhas gostado de ler. Volte mais vezes.
ExcluirObrigada Marli por partilhar connosco essa memória de infância.
ResponderExcluirSão estas lembranças de quando eramos crianças inocentes que nos fazem acreditar que o mundo ainda se pode renovar.
Fique com Deus, beijinhos ♥
Obrigada pelo comentário, Isamar. A gente começa a pensar e lembra cada uma, rs! Tempo bom aquele! Bjs
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