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Outono da existência |
Desde que me conheço por gente ouço falar no outono da vida. Saí a procura de respostas e não encontrei. Resolvi... bem, tive que viver. Agora eis-me aqui aos 72 anos, no outono da minha existência. Só para esclarecer, outono aqui é sinônimo de velhice. Por favor, não torça o nariz, a nossa Carta utiliza o termo velhice, que é um estado natural da vida. Idoso é um eufemismo que a sociedade usa para dourar a pílula e encobrir o preconceito. Na minha modesta opinião, a velhice é uma fase da vida como tantas outras que venho passando. Há coisas boas e ruins.
Se a gente muda? Meu Deus, muito! Falando por mim, é claro, mudei interna e externamente. No momento, ando me desentendendo (ainda!) com os efeitos da menopausa, com as lentes dos meus óculos, com os meus cabelos rareando, com a fadiga decorrente do meu fígado complicado, e outras mazelas que nem vale a pena comentar.
Mas, felizmente, nada disso me impede de rir, de emocionar-me e de continuar sendo útil aos meus semelhantes, pois tenho para mim que o que entristece e mata os velhos não é a velhice em si, mas a sensação de inutilidade social que traz consigo o desgosto pela vida. O outono da minha existência não está me impedindo de fazer o que gosto, e, por sinal, meus gostos também mudaram (abandonei os paradigmas da juventude. A jovem que fui era ótima, mas, no aqui e agora, aquele desabrochar constante, só estava me atrapalhando). Dei um basta em definitivo naquelas coisas que sempre me colocavam para baixo no passado, naqueles tempos nem tão dourados assim! Hoje, mais do que nunca, escolho estar de bem com a vida.
Se você me questionar sobre o mérito da questão, sobre o que acho da velhice em si, respondo que NÃO É FÁCIL! A começar pelas armadilhas do espelho: tem dias que vou em direção a ele acreditando que tenho trinta, olho-me e vejo setenta. Avemaria, sei que tem outra ali dentro! e esse espelho que não me mostra? grrr.
Brincadeiras à parte, reconheço que na velhice as perdas físicas são muitas e bem significativas. E a gente tem mesmo que aprender a lidar com elas. Temos que aprender a compensá-las para evitar frustrações e amarguras. Temos que apreciar a paisagem e tratar de colher os frutos. Tomar consciência da preciosidade do tempo e do poder que temos de fazer coisas legais enquanto a cortina ainda está aberta e o palco iluminado.
Mas, atenção, nossa saúde física e mental precisa estar bem cuidada, principalmente se estivermos sofrendo de alguma doença crônica. E não podemos, sob hipótese nenhuma, descuidar da mente e EMBURRECER.
E nada de hostilizar os mais jovens e amargar a convivência de uns e outros. Mais interessante seria exercitar a arte da convivência num clima de respeito mútuo entre velhos e jovens e jovens e velhos. É hora de entender e aceitar que na convivência saudável há sempre uma renovação, pois os conhecimentos sempre se renovam. É certo que os jovens aprendem conosco, mas nós também temos muito a aprender com eles. Aprender e ensinar. Essas trocas são fundamentais no processo de envelhecimento.
Bom, vou parar por aqui, não quero cansar a beleza de vocês.
Resumo da ópera: o outono é tempo de muitas mudanças, é tempo dos frutos. O cenário é outro, as folhas caem, as árvores perdem suas roupagens floridas e o chão ganha um lindo tapete multicor. Mas a gente tem de varrer o chão todos os dias para que o tapete se renove e mostre toda a sua beleza. Assim também, o outono da existência requer trabalho para resplandecer. São duas faces da mesma moeda.
- Marli Soares Borges -