domingo, dezembro 21, 2025

A REDESCOBERTA DE NOEL



- Marli Soares Borges -

Era uma vez um Papai Noel que não desejava mais entregar presentes. Ele estava exausto; não de um cansaço físico, mas de um cansaço da alma, um desencanto acumulado por séculos testemunhando os desvios da natureza humana.

Sentado numa nuvem, ele fitava a gigantesca "Lista de Desejos" que teria de cumprir na noite de Natal e quanto mais lia, mais a tristeza o consumia. A lista era um inventário de materialidades: pedidos de celulares, fones de ouvido, roupas de grife, consoles de videogame, robôs, drones e até likes nas redes sociais. Itens vazios e superficiais que, no fundo, não acrescentavam nada de essencial à vida de ninguém.

"Eles não querem mais a magia, Gabriel", desabafou para um anjo que, ao seu lado, tentava inutilmente consertar um sino que perdera o som. "Eles desejam gratificações instantâneas; transformaram o Natal numa maratona de consumo e estresse."

"Paciência", ponderou o anjo.

Mas a tristeza falava mais alto e Noel disse consigo mesmo: "neste Natal farei as últimas entregas e, na sequência, irei aposentar-me. Vou viver na Terra, em algum lugar quente, talvez no Brasil, onde a magia do verão possa, quem sabe, derreter minhas tristezas."

E na noite de 24 de dezembro, ele fez os preparativos habituais: carregou o trenó, vestiu seu traje e partiu para o trabalho. Começou a viagem e, em cada casa que chegava, o cenário se repetia: crianças dormindo com fones nos ouvidos, famílias discutindo por dinheiro, mesas decoradas com adornos excessivos e milhões de LEDs piscando agressivamente, sem alma e sem calor. Noel deixava os presentes e se retirava, discretamente, cada vez mais triste, pois o brilho nos olhos das pessoas simplesmente não existia mais.

Continuou seu trabalho e andou por muitos lugares até quase perder as forças. Sentiu que precisava descansar um pouco. Foi então que avistou uma pequena casa, logo ali, (e que nem constava na Lista). Entrou silenciosamente e notou que a casa era bem humilde. Na sala, o Natal estava representado por uma pequena árvore de galhos secos e alguns enfeites de papel. Duas crianças dormiam num colchão improvisado no chão, e na mesa da cozinha, apenas um prato com biscoitos caseiros. Ao lado dos biscoitos havia um bilhete rabiscado que chamou sua atenção:

"Querido Papai Noel,
Não precisamos de presentes caros. Mamãe trabalha muito e está doente, e papai anda muito desanimado. Por favor, traga apenas um pouco de saúde para a mamãe e ânimo para o papai. E faça meu irmãozinho acreditar que a vida vai melhorar.
Obrigada, assinado: Sofia."

Noel leu o bilhete duas vezes e seus olhos marejaram. Aquele pedido não era sobre o "ter", mas sobre o "ser" e o "sentir". Ele olhou para o saco de presentes, ignorou os brinquedos caros e retirou uma singela caixa de madeira que guardava como lembrança dos natais passados, num tempo em que as crianças ainda eram crianças. Dentro da caixa havia um pequeno sino dourado (mágico, ele dizia) que, quando tocado, só podia ser ouvido por aqueles que acreditavam "de verdade" no significado do Natal. Colocou a caixa ao lado dos biscoitos e retirou-se.

Na manhã seguinte, lá do céu, ele ouviu o sino tocando... e seu coração encheu-se de felicidade! Chamou os anjos e contou-lhes a história. E todos juntos, com um sopro gentil, infundiram naquela humilde casa a energia, a saúde e a esperança. Não era magia de brinquedos, era magia de cura, conforto e amor.

Nesse meio tempo lembrou-se de que até ontem, não via a hora de terminar o trabalho e anunciar sua aposentadoria. Mas de ontem para hoje seu coração era outro: a nuvem de melancolia que desencantava sua alma, desapareceu sem deixar rastros. E pela primeira vez na vida, ele sentiu a verdadeira essência de seu trabalho de Papai Noel. E compreendeu que, embora o mundo estivesse continuamente mudando, sua missão permanecia inalterada: ser um farol de esperança nos corações desesperados, um ponto de alento em um mundo que abandonava sua própria luz. 

Decidiu então que não se aposentaria, que trabalharia enquanto pudesse, pois havia muitas Sofias que precisavam de um toque de magia em suas vidas.

Feliz Natal a todos.


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