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quarta-feira, dezembro 04, 2013

QUERER NÃO É PODER




"Dêem-nos o supérfluo da vida, que dispensaremos o necessário", disse certa vez Oliver W. Holmes no início do séc.XIX. Se isso não foi um vaticínio, então eu não sei mais nada, pois nunca um dizer antigo esteve tão atual e retratou tão bem o que ocorre hoje na sociedade de consumo. Só faltou retratar a epidemia de infelicidade que o consumismo está causando nas pessoas. É que navegar nos mares do supérfluo, por mais doce que possa parecer, é uma das mais amargas perdas de liberdade que existem. O consumismo escraviza, gera infelicidade e acaba com a sua paz, porque carrega consigo a maldita sina de atrair dívidas. E não tem nada pior do que se endividar. Você perde o sono e perde a dignidade. E, se não retomar as rédeas de sua vida, você vai ao fundo do poço. E empobrecido só lhe restará a insolvência, ou seja, você literalmente já era. Porque fazer isso com você? Porque roubar a si próprio comprando o que não precisa? Para ser feliz? É muito triste se endividar para comprar a felicidade, aliás, felicidade comprada não existe, é uma piada de mau gosto, apanágio da sociedade de consumo. Acorde, pense em você e sacuda essa poeira, olhe ao redor, pense nos seus afetos, eles sofrem demais com essa desdita. Todos sofrem. (Mas se você não consegue sair dessa sozinho, se a vontade de consumir é mais forte que você, isso pode ser patológico, peça ajuda profissional e não deixe sua vida escorrer pelo ralo).

Não quero dizer com isso que você tenha que deixar, eventualmente, de comprar supérfluos, por favor, não me entenda mal. Mas há que ter bom senso e não exagerar, pois é complicada nossa situação. Vivemos desamparados num país onde apenas uma minoria muito rica tem poder de compra, e a grande maioria -- pobre -- não têm dinheiro sequer para os bens essenciais. Em contrapartida somos bombardeados diariamente por uma das publicidades mais respeitadas do mundo, notável especialista em criar necessidades desnecessárias. Ela anuncia que seremos felizes, atraentes e saudáveis se escolhermos isso ou aquilo, contudo, ninguém conseguirá alcançar essas metas, porque elas não passam de paradoxos. Observe: de um lado nos oferecem a felicidade, a saúde, a beleza e o bem estar e do outro somos incentivados a comprar produtos, muitos deles, comprovadamente prejudiciais. O que fala mais alto é sempre o consumo, comprar, cada vez mais. E é tão forte a pressão pelo prazer de consumir, que as pessoas ficam atordoadas e, mesmo sem dinheiro, comprometem seus créditos nos cartões, e logo ali, desabam, infelizes, com dívidas exponenciais e projetos de vida inalcançáveis.

Quando falamos em consumo, nem nos damos conta de que o que está sendo consumido de verdade, é a nossa força vital, nossa saúde física e mental que todo dia é vendida e comprada, usada e abusada, para lubrificar a máquina ensandecida do lucro empresarial. Observando com uma lupa, veremos que as milagrosas promessas publicitárias, todas elas cabem no mesmo molde de apenas dois compartimentos: um oferece o meio de fuga, e o outro oferece a vida real, de onde todos querem fugir. A cultura do consumo sufoca as pessoas com objetos e fantasias e oferece um mundo, sem qualquer chance de existência objetiva, que parece existir apenas para impulsionar os desejos pessoais. 

É impossível negar o poder da sociedade de consumo. Mas vale notar que esse poder está atrelado a uma publicidade que "deu certo". Logo, neutralizando essa vibe, enfraqueceremos esse poder, e acredito na possibilidade real de virar o jogo e recuperar nossa liberdade de escolha. Penso muito nas palavras de Rousseau, "o forte não é nunca bastante forte, para estar sempre no poder, se não faz de sua força um direito e, da obediência, um dever", e, eis que surge uma luz. Tenho visto recentemente, os meios de comunicação ventilarem anúncios sobre a importância e a necessidade do consumo sustentável e seus benefícios. Então, chegou a hora. Hora de banir o consumismo, de lutar contra esse massacre publicitário que nos escraviza. A luta? Terá de ser no terreno das idéias, dos valores e das justificações éticas, fazendo valer o direito constitucional que todos temos, como cidadãos brasileiros, de levar uma vida digna, independente e livre. E, no final das contas, feliz.

Marli Soares Borges, 2013

Obrigada por compartilhar meu texto com seus amigos.
*  O texto "Querer não é Poder" foi publicado pela primeira vez no "Blog da Marli"