quinta-feira, agosto 28, 2025

HOJE NÃO, AMANHÃ TALVEZ


Esta é minha participação no projeto da Norma 
A palavra é 
Procrastinação.

HOJE NÃO, AMANHÃ TALVEZ

- Marli Soares Borges -


Eu queria tanto ser como você! Você é tão decidida e ágil. Nunca vi você deixar alguma coisa para depois. Você sempre faz o que se programou no tempo combinado. E eu sou tão desligada, vivo adiando tudo e me arrependendo depois. E o pior é que não consigo mudar. Como assim, não consegue mudar? Ora, não diga bobagem, filha, você consegue sim! Comece a mudar agora! não deixe para depois. E trate de gravar na sua cabeça: o tempo é nosso bem mais precioso. 

Aproveitei e fui correndo buscar o pacote. Abra! eu disse. Que lindos mãe! Cada fio mais lindo que o outro! Como você adivinhou que eu estava querendo tricotar uma blusa para mim? 

Você gostou? Pois é seu! Aproveite bem. 

Filha, preciso te contar uma coisa. Este presente era para sua avó, lembra dela? Você era bem pequena quando ela se foi. O pacote está fechado porque não foi entregue. Acho que está na hora de você saber algumas coisas.

Por favor, não me interrompa, senão eu choro e não consigo falar. 

Comprei esses fios para sua avó, pois sabia que ela iria adorar! Pretendia abraçá-la antes de retornar para casa, naquela tarde. Mas como sempre, resolvi deixar para outro dia, amanhã talvez... afinal, minha mãe costumava estar sempre em casa. E eu era uma pessoa tão ocupada: filhos pequenos, afazeres importantes, não me sobrava tempo para nada.

Porém, naquela mesma noite, mamãe deitou-se para dormir e nunca mais acordou. E deixou este mundo nos braços implacáveis da morte. Foi uma viagem rápida, sem angústias nem sofrimentos. Uma boa morte, uma graça divina que poucos recebem, as pessoas me diziam baixinho, tentando me acalmar.

Sabes, filha, jamais deixarei de reconhecer e agradecer a Deus a graça divina que mamãe recebeu na sua passagem, mas confesso que esse reconhecimento nunca foi nem será consolo para mim. O que me cega e me entristece até hoje, é conviver com a escolha que fiz naquele dia.

Nunca mais pude abraçar minha mãe. 

Aprendi a duras penas a maior e mais importante lição dos meus dias: procrastinar coisas pode ser um erro fatal, um desperdício de vida: perde-se o presente acreditando-se num futuro que nem sabemos se virá, pois a morte é avessa à procrastinação, ela não negocia e não espera. Enquanto desperdiçamos nosso tempo adiando as coisas, a vida se acaba.  

Ouvi dizer que com o passar do tempo as dores se esvaziam e os sentimentos se purificam. Sei não... tem dias que me bate uma tristeza … por que fui adiar o abraço? 

Pronto, filha, agora você já sabe o que me tornou assim, "tão" decidida e ágil. Tenho medo, me apavoro e fujo da procrastinação. 

E você, garota... arranque imediatamente a palavra procrastinação da sua vida! Entendeu, ou quer que desenhe?


💫  💫  💫  💫  💫


sexta-feira, agosto 22, 2025

MUNDARÉU




- Marli Soares Borges -

É frio e chuva que não acaba mais! Tem chovido tanto e feito tanto frio por aqui, que comecei a enguiçar. Este combustível frio e úmido só está enfraquecendo meus ossos e soltando meus pinos. Estou cansada de bater o queixo e bater os pinos: vou dar um jeito nisso. Hora de apelar para minhas recordações e (re)viver as coisas boas, alimentar-me de boas lembranças, coisas quentes, perfumadas e saborosas. Voilà!

Guardo na memória as imagens e sensações do café coado naqueles coadores de pano, que a gente precisava lavar sempre depois de cada uso. Me dá água na boca, pensar nos bolinhos de chuva que minha vó fazia e saboreávamos com café, pertinho do fogão de ferro, nas tardes chuvosas e frias aqui do sul. O bolo quentinho e perfumado, recém saído do forno, as broas de milho, tudo com gostinho de quero mais.

Nasci e fui criada pelos meus avós. Morávamos no interior, bem no interior, no meio do mato. E aguçando minhas lembranças, me vem um detalhe: lá pelos meus 12 anos de idade, o café solúvel já circulava nas mesas e era tudo de bom: imagine, bastava apenas aquecer a água e pronto! Nada de lavações de coadores de café. E o gostinho do café solúvel era tudo de bom! E continua sendo. Adoro. E a modernidade foi trazendo outras maravilhas. Quando conheci o cappuccino, apaixonei-me de vez! E ainda estou nessa vibe de nescafé e capuccino.     

Eu pensava que devido às mudanças do mundo, meus filhos (e netos) não teriam muito o que lembrar no futuro, mas com o passar do tempo, pude ver que eu estava enganada. É óbvio que eles não tem o mesmo tipo de lembrança que eu tenho, porque quando eles nasceram a vida já havia mudado. Eu trabalhava o dia inteiro e estudava à noite. Bolinhos de chuva, só os comprados na padaria. E nada de broas, nem cheirinho de bolo quente perfumando a casa. Nunca tive tempo nem jeito para esses quitutes, no máximo saía um mingauzinho de aveia, (que faço até hoje, rs). E meus filhos nunca reclamaram. Eles nasceram noutro tempo e têm outra visão de mundo, outras lembranças, e fico feliz porque são ótimas lembranças! Eles lembram de coisas que eu nem imaginava que seriam tão importantes para eles e que comporiam mais tarde, seu acervo de boas lembranças. E já os vi, sorridentes com os amigos, falando e vibrando com o que viveram no passado. E sentindo saudades do passado deles, da infância e dos acontecidos. Do mesmo jeito que eu sinto saudades do meu passado.

É a roda da vida.

Hoje em dia, graças ao aumento da longevidade, há milhares de avós e bisavós no mundo e há milhares de memórias que nos falam de sabores e perfumes de bolos, broas e cafés. E comidinhas especiais daqueles tempos. 

Há milhares de avós e bisavós que graças à tecnologia, podem ler belos textos sobre o passado e reviver os fascínios da infância. E ainda podem dar-se ao luxo de obter novos aprendizados, testar novas receitas e novos sabores. Que me desculpem os saudosistas, mas a modernidade também tem seu valor. 

E há milhares de filhos tornando-se pais e avós, e saudosos, contando ao mundo os encantamentos de suas infâncias provindas de um passado recente.  

Na verdade, penso que a saudade que sentimos ao relembrar o passado, não é "das coisas" do passado. As coisas são partes do cenário de cada época. A saudade que sentimos é de nós, de nós mesmos, da idade que tínhamos no passado, do nosso eu, das nossas ilusões, dos nossos milhares de horizontes, do mundaréu de vida que tínhamos pela frente. 


❤❤❤❤❤

quinta-feira, agosto 14, 2025

SIM, EU ME IMPORTO




- Marli Soares Borges -

Seu direito começa onde termina o meu. Ouço essa cantilena desde que me conheço por gente e hoje em dia, vendo tantos disparates acontecerem em nome do Direito e da Justiça, fico pensando nessa burrice incremental que atinge as pessoas. Para viver em paz precisamos reconhecer e respeitar os limites de cada um. Puxa vida, qual é o problema? Por quê, sempre que o direito se encontra com o dever acontece um conflito? 

Ah, não acredita? Que me diz dessa gente que fuma em local público num ostensivo abuso ao direito alheio de respirar um ar livre de fumaça de cigarro? e esse povo que fala no celular, aos berros, sem se importar com os que estão ao redor? e os que não esperam sua vez de falar e se metem nas conversas dos outros na maior cara dura? e o lixo descartado indevidamente? E por aí vai.

Nos tempos bíblicos Jesus Cristo, pressentindo o caos social, tratou de dar a letra: "não faças ao outro o que não queres que se faça a ti". Sábio, o Mestre sempre foi um notável defensor da empatia. Mas ninguém ligou e o caldo entornou. 

Empatia é colocar-se no lugar do outro para saber como agir em determinada situação. Sentir o que a outra pessoa sentiria, caso você estivesse na situação vivenciada por ela e tentar compreender experiências e visões de mundo diferentes das suas. A empatia ajuda nos relacionamentos pessoais, sociais e amorosos: família, amigos e colegas de trabalho, entre outros.

Empatia é um sentimento próprio do ser humano, mas algumas pessoas possuem grande dificuldade de desenvolvê-la, ou porque têm muitos preconceitos ou simplesmente porque não estão dispostas a ouvir as aflições do outro. 

Só a empatia nos fará entender que não basta EU ter vontade de falar, é preciso que o OUTRO esteja com vontade de ouvir, pois se é certo que EU tenho o direito de falar, também é certo que o OUTRO tem o direito de não querer me ouvir. 

Precisamos nos importar com o outro. Ouvir o que o outro tem a dizer, sem pré-julgamentos... apenas ouvir. 

Sim, eu me importo.

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