
- Marli Soares Borges -
É frio e chuva que não acaba mais! Tem chovido tanto e feito tanto frio por aqui, que comecei a enguiçar. Este combustível frio e úmido só está enfraquecendo meus ossos e soltando meus pinos. Estou cansada de bater o queixo e bater os pinos: vou dar um jeito nisso. Hora de apelar para minhas recordações e (re)viver as coisas boas, alimentar-me de boas lembranças, coisas quentes, perfumadas e saborosas. Voilà!
Guardo na memória as imagens e sensações do café coado naqueles coadores de pano, que a gente precisava lavar sempre depois de cada uso. Me dá água na boca, pensar nos bolinhos de chuva que minha vó fazia e saboreávamos com café, pertinho do fogão de ferro, nas tardes chuvosas e frias aqui do sul. O bolo quentinho e perfumado, recém saído do forno, as broas de milho, tudo com gostinho de quero mais.
Nasci e fui criada pelos meus avós. Morávamos no interior, bem no interior, no meio do mato. E aguçando minhas lembranças, me vem um detalhe: lá pelos meus 12 anos de idade, o café solúvel já circulava nas mesas e era tudo de bom: imagine, bastava apenas aquecer a água e pronto! Nada de lavações de coadores de café. E o gostinho do café solúvel era tudo de bom! E continua sendo. Adoro. E a modernidade foi trazendo outras maravilhas. Quando conheci o capuccino, apaixonei-me de vez! E ainda estou nessa vibe de nescafé e capuccino.
Eu pensava que devido às mudanças do mundo, meus filhos (e netos) não teriam muito o que lembrar no futuro, mas com o passar do tempo, pude ver que eu estava enganada. É óbvio que eles não tem o mesmo tipo de lembrança que eu tenho, porque quando eles nasceram a vida já havia mudado. Eu trabalhava o dia inteiro e estudava à noite. Bolinhos de chuva, só os comprados na padaria. E nada de broas, nem cheirinho de bolo quente perfumando a casa. Nunca tive tempo nem jeito para esses quitutes, no máximo saía um mingauzinho de aveia, (que faço até hoje, rs). E meus filhos nunca reclamaram. Eles nasceram noutro tempo e têm outra visão de mundo, outras lembranças, e fico feliz porque são ótimas lembranças! Eles lembram de coisas que eu nem imaginava que seriam tão importantes para eles e que comporiam mais tarde, seu acervo de boas lembranças. E já os vi, sorridentes com os amigos, falando e vibrando com o que viveram no passado. E sentindo saudades do passado deles, da infância e dos acontecidos. Do mesmo jeito que eu sinto saudades do meu passado.
É a roda da vida.
Hoje em dia, graças ao aumento da longevidade, há milhares de avós e bisavós no mundo e há milhares de memórias que nos falam de sabores e perfumes de bolos, broas e cafés. E comidinhas especiais daqueles tempos.
Há milhares de avós e bisavós que graças à tecnologia, podem ler belos textos sobre o passado e reviver os fascínios da infância. E ainda podem dar-se ao luxo de obter novos aprendizados, testar novas receitas e novos sabores. Que me desculpem os saudosistas, mas a modernidade também tem seu valor.
E há milhares de filhos tornando-se pais e avós, e saudosos, contando ao mundo os encantamentos de suas infâncias provindas de um passado recente.
Na verdade, penso que a saudade que sentimos ao relembrar o passado, não é "das coisas" do passado. As coisas são partes do cenário de cada época. A saudade que sentimos é de nós, de nós mesmos, da idade que tínhamos no passado, do nosso eu, das nossas ilusões, dos nossos milhares de horizontes, do mundaréu de vida que tínhamos pela frente.
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