"Árvore da Vida" de Gustav Klimt
O OUTONO DA VIDA
Desde que me conheço por gente ouço falar no outono da vida. Saí a procura de respostas e não encontrei. Resolvi... bem, tive que viver. Agora eis-me aqui, no outono de minha existência. Calma, é que andei fazendo umas pesquisas e segundo apurei 60 anos é idade outonal. Pois que seja. Aqui estou. Só para esclarecer, outono aqui é sinônimo de velhice.
No outono você sabe, o cenário é outro, as folhas caem, as árvores perdem suas roupagens coloridas e o chão vira um lindo tapete florido. A temperatura é mais amena e o céu é de um azul intenso, lindo de doer! É tempo dos frutos. Mas a gente tem de varrer o chão todo o dia para que a beleza resplandeça e o tapete de flores se renove. O outono da existência também é assim. O cenário é outro e reclama trabalho para que a beleza resplandeça.
Se a gente muda? Meu Deus, muito!! Falando por mim, claro, mudei interna e externamente. (Mas a mudança interna é bem mais lenta, e isso é bom, embora a gente às vezes tenha que pagar alguns micos, rs). Tô aqui me desentendendo com a menopausa, com as gordurinhas, com as lentes de meus óculos, com os ossos doloridos e outras mazelas que tais, mas nada que me impeça de rir, de emocionar-me, de fazer o que gosto, (o gosto da gente também muda, graças a Deus) e de continuar sendo útil aos meus semelhantes, pois tenho para mim que o que entristece e mata os velhos de desgosto não é a velhice, mas a sensação de inutilidade social.
Mas se você me questionar sobre o mérito da questão, sobre o que acho da velhice em si, respondo que considero-a como uma fase da vida, simplesmente, como tantas outras que venho passando. Há coisas boas e ruins e, do ponto de vista físico, a gente tem mesmo que aprender a lidar com as perdas, que são muitas e bem significativas, temos que aprender a compensá-las para evitar as frustrações. Temos que tratar de colher os frutos e saboreá-los com muito gosto. Mas isso é um processo, um aprendizado que a gente vai tirando de letra. O que não podemos é emburrecer, hostilizar os mais jovens e amargar a convivência. E por falar em convivência, temos que exercitar essa arte, num clima de respeito mútuo entre velhos e jovens e jovens e velhos. Na convivência saudável há sempre uma renovação. E isso é fundamental no processo de envelhecimento.
Aí leio textos que falam na "melhor idade", na "terceira idade" e outras baboseiras mais. E fico pensando, avemaria pra quê esses eufemismos? Pra encobrir o quê? Ora, tá na cara, pra encobrir o preconceito. Claro, velhice agora virou palavrão! Encarar a velhice? Nada. Vamos encobri-la, vamos enganar, infantilizar. (Gente, que maldade!). Pois acreditem, tem até um comercial que diz que tal coisa, nem lembro o quê, é para "idosos com espírito jovem". Licença, aonde vamos? Coitados desses idosos e seus espíritos jovens! Tadinho deles... Imagine se meu espírito jovem deseja participar de um rally, que meu corpo não aguenta... sofrimento atroz né, é no que dá o tal espírito jovem aprisionado num corpo velho! Não concordo com isso. Tudo tem seu tempo: infância, juventude e velhice, ado, ado, ado, cada um no seu quadrado, rs. E na santa paz. Equilíbrio e bom senso. É mais ou menos por aí.
Não sou a favor de lutar contra o envelhecimento a qualquer preço. Penso que as cores do outono são essas que a natureza pintou, e não está em nós modificá-las, quando muito, podemos avivá-las, pois são muito belas, é só olhar bem, numa boa, sem enganações. Por isso que, no meu outono, sigo fazendo o que posso, trabalho bastante, luto pelo direito dos meus clientes, ajudo meus filhos, dou uma olhadinha nos netos, sem neuras, dentro do possível, que também não sou de ferro. Tenho outros interesses, quero fazer mais coisas: quero ler, escrever, passear e me divertir junto a quem amo. E às vezes sozinha, comigo mesma. Gosto da minha companhia.
Complicado mesmo são as armadilhas que o espelho nos apronta: tem dias que vou em direção a ele acreditando que tenho trinta, olho-me e vejo sessenta, que droga, sei que tem outra ali dentro! E esse espelho que não me mostra? grrr.
Que fazer? O fato é que sempre gostei do outono e continuo gostando, agora dos dois, da natureza e da existência. São duas faces da mesma moeda. No bem e no mal. Mas, cá entre nós, melhor idade mesmo é 25 / 30 anos! Eita idadezinha boa! O resto é bobagem. Valha-me Deus!
- Marli Soares Borges -