CONTO DE HALLOWEEN

CONTO DE HALLOWEEN

- Marli Soares Borges - 

 

Dei uma última olhada no celular, apaguei a luz, fechei os olhos e adormeci. Um arrepio percorreu o meu corpo quando ela apareceu. Uma figura iluminada e misteriosa. Não consegui ver suas feições, pois o quarto estava escuro. Seu perfume era uma melodia inesquecível, uma alquimia pessoal, envolvente como um carinho de mãe. E seus passos eram lentos e flutuantes. Não sei explicar, mas tive a certeza que minha vida não seria mais a mesma. Ela aproximou-se, abriu os braços e envolveu-me num abraço de luz. Senti meu corpo tão leve que poderia voar quando quisesse, mas ao mesmo tempo uma tristeza profunda tomou conta de mim. Vai passar, ela me disse baixinho, é a perturbação inicial. Você agora não pertence mais ao mundo dos vivos; sua casa não é mais aqui e seu tempo não será mais marcado em horas, mas em lembranças. Você ajudará em outros céus e novas histórias serão escritas. A linha que separa o mundo dos vivos e dos mortos já não existe para você. Não se assuste, é natural o que você está sentindo; é bem difícil no começo, sei como é. Por isso vou deixá-la ficar um pouco mais por aqui, até que a temporalidade se curve e a dor da separação se dissolva. Mas quando que eu voltar, você precisará ir comigo. E o brilho da luz foi diminuindo até que desapareceu. Acordei com uma sensação estranha, que sonho esquisito.  

* 

Os netos foram embora empanturrados de doces. Marido dormindo. Pensamentos soltos começaram a surgir na minha cabeça. Lembrei daquele sonho que tive. Quanto tempo será que passou? Que bobagem, foi só um sonho, repeti para mim mesma. Estou viva, cheia de planos e não acredito em superstições. Tratei de me preparar para dormir. Dizem que na noite de 31 de outubro o véu entre os mundos fica mais fino, pensei. Nisso o celular piscou. Olhei... e era meia noite em ponto, do dia 31 de outubro.  Foi então que ouvi passos se aproximando pelo corredor. Meu corpo ficou paralisado. Um perfume envolvente tomou conta do ar. 

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