HOJE NÃO, AMANHÃ TALVEZ
- Marli Soares Borges -
Eu queria tanto ser como você! Você é tão decidida e ágil. Nunca vi você deixar alguma coisa para depois. Você sempre faz o que se programou no tempo combinado. E eu sou tão desligada, vivo adiando tudo e me arrependendo depois. E o pior é que não consigo mudar. Como assim, não consegue mudar? Ora, não diga bobagem, filha, você consegue sim! Comece a mudar agora! não deixe para depois. E trate de gravar na sua cabeça: o tempo é nosso bem mais precioso.
Aproveitei e fui correndo buscar o pacote. Abra! eu disse. Que lindos mãe! Cada fio mais lindo que o outro! Como você adivinhou que eu estava querendo tricotar uma blusa para mim?
Você gostou? Pois é seu! Aproveite bem.
Filha, preciso te contar uma coisa. Este presente era para sua avó, lembra dela? Você era bem pequena quando ela se foi. O pacote está fechado porque não foi entregue. Acho que está na hora de você saber algumas coisas.
Por favor, não me interrompa, senão eu choro e não consigo falar.
Comprei esses fios para sua avó, pois sabia que ela iria adorar! Pretendia abraçá-la antes de retornar para casa, naquela tarde. Mas como sempre, resolvi deixar para outro dia, amanhã talvez... afinal, minha mãe costumava estar sempre em casa. E eu era uma pessoa tão ocupada: filhos pequenos, afazeres importantes, não me sobrava tempo para nada.
Porém, naquela mesma noite, mamãe deitou-se para dormir e nunca mais acordou. E deixou este mundo nos braços implacáveis da Morte. Foi uma viagem rápida, sem angústias nem sofrimentos. Uma boa morte, uma graça divina que poucos recebem, as pessoas diziam, tentando me acalmar. Nunca deixei de reconhecer essa graça divina, mas esse reconhecimento nunca foi nem será consolo para mim. O que me cega e me entristece até hoje, é conviver com a escolha que fiz naquele dia.
Aprendi a duras penas a maior e mais importante lição dos meus dias: procrastinar coisas pode ser um erro fatal, um desperdício de vida: perde-se o presente acreditando-se num futuro que nem sabemos se virá, pois a morte é avessa à procrastinação, ela não negocia e não espera. Enquanto desperdiçamos nosso tempo adiando as coisas, a vida se acaba.
Ouvi dizer que com o passar do tempo as dores se esvaziam e os sentimentos se purificam. Sei não... tem dias que me bate uma tristeza por não ter abraçado minha mãe enquanto era tempo. Ah, por que fui adiar o abraço?
Pronto, filha, agora você já sabe o que me tornou assim, "tão" decidida e ágil. Tenho medo, me apavoro e fujo da procrastinação.
E você, garota... arranque imediatamente essa palavra da sua vida!
Entendeu, ou quer que desenhe?
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Quanta liçao de vida nesse conto,Marli! Adorei e triste mesmo não poder dar o abraço nas nossas mães, mas a morte dela foi bem boa, se assim podemos dizer! Sem doir,m sem sofrer! Linda participação! beijos praianos, chica
ResponderExcluirUm conto com uma lição de vida, mas procrastinar traz, na maioria das vezes, perdas irreparáveis. Grata por se unir a nós ao ratificar com tão expressivo conto.
ResponderExcluirBjs, Boa noite
Olá linda!
ResponderExcluirQue beleza e que dor cabem nesse texto, Marli. Ele começa com a leveza de um diálogo entre mãe e filha, mas logo mergulha na profundidade daquilo que realmente nos marca: o que deixamos de viver. A história do presente guardado é como um símbolo da vida em suspenso, daquilo que a gente acredita que pode esperar até que o tempo prova o contrário.
A lição que você compartilha é dura, mas necessária: a morte não negocia, não faz concessões, não adia. Ela nos lembra, pela ausência, que o amor só pode ser vivido no agora.
Obrigada por transformar a sua dor em palavras que toca, ensina e acorda.
Beijinho
Fernanda