sábado, janeiro 08, 2022

CRONÓPIOS E FAMAS


Será que vou pegar a mania de classificar todas as pessoas que conheço?
Histórias de Cronópios e Famas

Marli Soares Borges


Eu tinha cinquenta e poucos anos quando li esse livro pela primeira vez, (alguns anos depois, li de novo) e comecei a tentar descobrir se sou mais Cronópio ou mais Fama. Ainda lembro de alguém, um dia, ter me falado pra eu relaxar um pouco, ser um pouco mais cronópio, rs. O fato é que passei um bom tempo da minha vida me questionando se as decisões e atitudes que eu tomava eram coisa dos cronópios destrambelhados ou dos famas organizados e chatos, sem imaginação.  

E por que estou falando nisso agora? Porque ando com vontade de ler novamente Júlio Cortázar e sempre que penso nele, eu penso nesse livro, e se alguém me perguntasse que livro eu gostaria de ter escrito, responderia sem pestanejar: "Histórias de cronópios e de famas". Que livro sensacional, leitura leve e divertida, recheada de reflexão e (muito) humor nonsense.  

Faz um tempão que li e não lembro mais dos detalhes, (e também não quero pesquisar na internet; quero mais é exercitar minha memória antiguinha, rs). Lembro que eram histórias curtas e que uma delas dava título ao livro. 

A impressão que ficou em mim é que esse livro é muito doido. Na época, ele simplesmente virou meu mundo de cabeça para baixo. Imagina alguém te ensinar coisas banais como subir e descer escadas e até mesmo como chorar. Pois é, isso você encontra no livro. É nítido o desafio às nossas noções de normalidade. Sem falar no amontoado de situações engraçadas onde o absurdo nos ajuda a perceber que a normalidade não passa de uma construção social. Quer ver? pense na conduta que usualmente temos nos velórios. Não precisa falar, todos sabemos como é. Agora imagine uma família cuja principal ocupação consiste em invadir velórios de desconhecidos e conquistar todos os papéis de destaque reservados para os familiares e íntimos do falecido. Tudo muuuito normal, rs. 

E por aí vai.

E tem mais, muito mais; tem uma coleção de absurdos narrados com tanta naturalidade, que parecem coisas absolutamente reais e normais. Cortázar faz uma crítica escancarada e dura ao mundo em que vivemos, à burocracia, ao absurdo de nossas vidas diárias... tem até uma historieta (não sei o nome) onde ele narra um apocalipse causado por escritores que não param de escrever(!) e soterram o mundo com papel! Pode? Lol. (anos, noventa, gastava-se muuuuito papel...).  

E finalmente o conto que dá título e fecha o livro com honra e circunstância: "Histórias de cronópios e famas".  

Cronópios e Famas, junto com as Esperanças formam os três tipos de seres sociais. Em última análise, somos todos nós. Cronópios são os loucos, os sonhadores, sinceros, alegres, desatentos e inocentes que se divertem na simplicidade. Os Famas são burocráticos, racionais, calmos, organizados e metódicos, centralizadores da ordem. E as Esperanças apenas esperam, esperam e esperam o mundo girar trazendo respostas, que nem sempre virão. No geral, são apáticas e inertes, apenas deixam-se levar pelas ocasiões e pelas pessoas. 

Na época, achei - e continuo achando -, que "Histórias de cronópios e de famas" era um livro surrealista, mas que não poderia ser classificado como realismo mágico, pois o realismo mágico estava - e está -  muito bem representado por Garcia Márquez, em que pese a escrita de Cortázar mostrar-se bem mais agressiva na transgressão da realidade. Mas isso não vem ao caso, é apenas minha opinião pessoal e eu não sou especialista no assunto. 

Resumo da ópera: (o que penso agora, sobre o que li outrora, rs) as pequenas narrativas que compõem o livro, são ao mesmo tempo engraçadas e tocantes. Lembro que minha percepção da realidade ia se alterando à medida que eu avançava na leitura, ou seja, eu pensava uma coisa e era outra. Tudo muito bizarro, rs. Enfim, como eu já disse, adorei o livro, tanto que estou afim de ler novamente; mas, pensando bem... e não é que comecei a encasquetar com uma bobagem? será que vou gostar do livro agora? Será que vale a pena ler de novo? tanto tempo passou, tanta coisa mudou, eu própria mudei tanto. Será que nesse amanhecer de 2022, aos 72 anos, vou ler o livro e pegar de novo a mania de classificar todas as pessoas que conheço? Sei lá, é ler de novo para ver.


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sexta-feira, dezembro 31, 2021

MENSAGEM DE FIM DE ANO

 

Um 2022 sem muito mimimi, só um pouco, rs
Feliz Ano Novo!


Agora é só esperar a cortina se abrir! 

Desejo boa sorte a todos. Feliz Ano Novo para você, para mim e para todos nós. Que sejamos capazes de escolher o caminho certo entre os descaminhos. 

Espero que 2022 venha de cara bonita e com boas intenções. E que traga boas novas. Será que vou gostar? Não sei, as novidades atuais andam muito esquisitas. Se eu não gostar, posso simplesmente agradecer e sair a passos no red carpet? Oh, Deus, se o frio chegar para mim, please, não esqueça o cobertor!

Um grande abraço a todos.

Marli

quarta-feira, dezembro 22, 2021

MENSAGEM DE NATAL





FELIZ NATAL!
"natividade de cristo"
Lorenzo Lotto, 1523
  


Logo mais estaremos reunidos para festejar o Natal. 


Desejo que a noite seja de paz, de comunhão e de amor! E que sobretudo, a gente saiba aproveitar muito bem as pequenas coisas que estão ao nosso alcance, nossos familiares, nossos beijos, abraços, conversas, risadas... nossos encontros... nossos momentos. Amanhã certamente iremos nos dar conta do quanto eram grandes essas pequenas coisas! E do quanto significaram em nossas vidas. E sentiremos saudades. 


Feliz Natal. 
Feliz hoje, aqui e agora!
Um abraço bem forte, cheio de amor e boa vontade.

Marli

terça-feira, dezembro 21, 2021

MINHAS UTOPIAS NATALINAS



Sem defesa, sem voz e sem protesto, os animais vão sumindo, um a um...
Feliz Natal!
Tenham compaixão pelos animais



Marli Soares Borges -


Sei que não estou só nessa viagem. Por favor, gente, me acompanhem... respeitem os animais, tenham compaixão por eles! Tomem consciência, não se omitam, ensinem as crianças, façam os direitos dos animais serem respeitados. 

Abram espaço em seus corações para a compaixão, o respeito e o reconhecimento do valor moral da vida e dignidade dos animais.

"Sem defesa, sem voz e sem protesto, os animais vão sumindo, um a um, abatidos, baleados, encurralados em becos sem saída, banidos até os limites dos campos habitáveis. Antes que tudo se perca, é necessário acordar do pesadelo para que possamos continuar sonhando. Trabalhar o inconsciente, compreender a verdade profunda dos instintos e da alma, perceber a presença do divino nos olhos de um animal. Essa talvez seja a última utopia pela qual ainda possa valer a pena dedicar uma vida de estudo e trabalho."
(R.Gambini)


"É preciso compreender que o ser humano não deve ser o centro da natureza, tampouco, o ponto final da criação. Para isso, mister se faz abarcar a percepção real de que o ser humano não está sozinho na Terra, mas que, assim como todos os seres vivos, tem seu lugar e função nela. Muito embora o sistema jurídico tenha dificuldade em reconhecer, é inabalável a posição de que os animais possuem direitos inerentes e próprios de seres vivos sencientes, que devem ser defendidos e respeitados."
(Rodrigues)


"Nós nos vemos superiores à natureza e ignoramos o fato de que, na verdade, a natureza é superior a nós e nos permite existir. Os animais, habitantes do planeta Terra há muito mais tempo que nós, podem viver sem o homem, mas este não sobreviveria sem eles."
(Chuahy)


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quinta-feira, dezembro 16, 2021

NATAL 2021 - INTERAÇÃO FRATERNA

 





FELIZ NATAL


A cada Natal que chega
Agradeço com fervor
A vinda do Deus Menino 
E o milagre do Amor

Nesse Natal vou pedir
Misericórdia a Jesus
Que nos ajude a caminhar
Pelos caminhos da luz

Que nos dê um Natal Feliz
Com saúde e alegria
E um Ano Novo de paz
Livres da pandemia. 


Marli Soares Borges


XII IINTERAÇÃO FRATERNA DE NATAL
Participação a convite da amiga Rosélia do blog espiritual-idade 
Tema: "Conversando com o Menino Jesus"
Data: 08 a 15 de dezembro.

quinta-feira, dezembro 09, 2021

NATAL, LUCIDEZ E DELÍRIO


Que os pedidos feitos às estrelas sejam todos atendidos.
Feliz Natal!


Marli Soares Borges -



Já vou avisando: pode pular fora desse post, ele está muito chato. Escrevi sobre o Natal, mas minha cabeça estava dando voltas. 

Ceia, festas, troca de presentes, cartões, música, decoração, árvore de natal, luzes, guirlandas, presépio e Papai Noel. As imagens bonitas na telinha me fazem lembrar os natais passados e as caras felizes dos meus filhos e mais tarde dos netos, abrindo os presentes. E num relance começo a pensar nas crianças pobres. E penso no dinheiro que a corrupção rouba do povo. E penso no Natal. E penso nos abraços. E penso na pandemia. Tudo ao mesmo tempo. E - porque sonhar não custa nada -, sonho com pessoas melhores. Sonho com gente que não rouba e que aplica o dinheiro público no fim a que se destina. Sonho com saúde e dignidade para milhões de crianças que vivem em situação de miséria extrema.

Crianças que neste momento estão querendo comer e não têm nada. Algumas até escrevem ao Papai Noel pedindo um pedaço de bolo de presente. Sonham com uma boneca, uma bola. Uma barra de chocolate, a primeira de suas vidas. Pedem um sabonete, um colchão, um travesseiro. Um copo de leite. E, qualquer uma dessas coisas é verdadeira extravagância diante da miséria em que vivem. 

Fizemos muito pelas crianças pobres em geral, muitas leis, muitos direitos. Mas penso que não podemos nos orgulhar de nada, porque ainda não lhes fizemos justiça. E daí? Elas que esperem. A Justiça está ocupada defendendo criminosos, a maioria podres de rico. Crianças pobres, miseráveis? crianças que perderam os pais na pandemia? crianças sem Natal? ora, deixa pra lá.

Mas elas têm sonhos de criança e isso me aperta o coração; elas não são personagens, elas existem de verdade. Essas crianças fazem parte do mundo, são viajantes do mesmo tempo que eu e, embora a fome lhes tire a dignidade, suas vidas carecem de respeito. Parece que quanto mais elevada a cátedra dos juízes, mais difícil é o entendimento de que, na trajetória da vida estamos todos irmanados. 

Parcialidade é o mantra da Justiça no Brasil. Se uma criança com fome, furta um pedaço de pão, seu destino será traçado com mãos de ferro. Já os VIPs da política, por exemplo, muitos deles condenados em processo regular, continuam rindo na nossa cara, mentindo e até concorrendo à eleições para altos cargos no país. E ostentam sua riqueza nojenta, roubada de nós. Pagamos impostos abusivos e não recebemos nada em troca. Eles roubam descaradamente nosso dinheiro suado. (Aqui um parênteses, porque meu coração de velha está dolorido e não suporta mais tanta injustiça e desfaçatez. Quero banimento, guilhotina, abdução, sei lá o quê. Rigor para essa gente imunda que enriqueceu à custa do nosso trabalho, da miséria do povo e da dor das nossas crianças).

Já pensou se esses ladrões do colarinho branco fossem obrigados a devolver o dinheiro que roubaram? e se esse dinheiro voltasse agora no Natal e alimentasse as crianças? Menos, madame! chega de falar besteira, ninguém quer saber dessas coisas agora. 

Tá bom, stop.

Hora de começar meus preparativos, tanta coisa a fazer, a árvore pra montar, a casa pra arrumar, a decoração, a música, as comidas, as bebidas, os doces... e as arrumações de última hora.  

E os presentes? Não tem. Faz tempo que não trocamos presentes no Natal. Meus netos cresceram e estão noutra vibe. Bom seria se no Natal as pessoas, em vez de só abrirem presentes, pudessem também abrir seus corações e falarem umas com as outras, sem constrangimentos. Com simplicidade e clareza, tudo na santa paz, (tá bom, esquece...).  

A pandemia mexeu muito comigo e deu uma esfriada nos projetos de Natal, reconheço. Mas dezembro é um mês mágico e o espírito natalino sempre toma conta do meu coração. Apesar desse contexto desalentador que envolve o mundo, sinto que o Natal não perdeu o significado para mim e sigo querendo minha árvore enfeitada. Ela continua sendo um referencial de alegria para o Ano Novo que vai chegar. Como somos-todos-papai-noel-aqui-em-casa e estamos devidamente vacinados, vai ter uma singela comemoração familiar de agradecimento e prazer pela vida, pois em meio a tantas mortes nessa pandemia, nós estamos aqui. Obrigada, Senhor, obrigada pelas nossas vidas! E um brinde ao esforço de quem fez as vacinas chegarem até nós. 

Na "Noite Feliz", meu marido e eu olharemos nossa árvore e silenciosamente faremos nossa oração natalina. Agradeceremos nosso tempo e pediremos um pouquinho mais. E ficaremos encantados com nossas vidas e brilharemos feito luzinhas, como acontece há mais de meio século. Tem gente que diz que isso é bobagem. Pode ser. Mas essas bobagens me fazem vibrar, me dão força e entusiasmo. Meu lado criança desperta de olhos bem arregalados. E minha visão se expande e vejo as cores da alegria.

Ô gente, desculpem meus delírios, sou do século passado, já devo estar batendo o pino.


Feliz Natal! 
Que os pedidos feitos às estrelas sejam todos atendidos.


E que Deus guarde esses políticos canalhas no espaço sideral; que entrem em ebulição e congelamento absoluto no vácuo. Por toda a eternidade, amém.

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sexta-feira, dezembro 03, 2021

OS INFINDÁVEIS TONS DA ESPERANÇA

 

Infindáveis tons de verde
Escadaria em Auvers - Vincent Van Gogh 1853-1890


- Marli Soares Borges


Gosto muito dessa tela de Van Gogh. São infindáveis os tons de verde claro que ele pintou aqui. Beleza pura! Para mim, além de linda, essa obra é profética e pode ser perfeitamente enquadrada nos dias atuais. Tudo a ver com as dificuldades que enfrentamos no cotidiano e com os infindáveis tons da esperança que nos movem. 

Observe a solidez da casa. Agora observe a escada, alta, longa e tortuosa. São assim os caminhos que temos de percorrer - e, hoje em dia mais ainda - para, com muita sorte, chegar-se a uma situação sólida na vida. (representada pela casa).


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sexta-feira, novembro 26, 2021

O TCHUCO

A valentia sumiu e a voz tremeu
Cuidado, ele está vindooooo...


- Marli Soares Borges



Eu sei que você não sabe, mas é dele que eu quero falar. 

"Tchuco" é o nome que demos a uma entidade sobrenatural que existe - "de verdade" - aqui no sítio e que aparece na mata, em noites de lua cheia, geralmente no verão. Todos daqui já o viram e cada qual tem um 'causo' espantoso, mágico ou inesquecível para contar. 

Eu também tenho.

Aconteceu em meados de 1995, 96, sei lá. Mas foi há quase trinta anos. Era tudo gente moça, na faixa dos vinte e poucos; menos eu, que beirava os quarenta.

Quando meu irmão mais moço, - bem mais moço do que eu - começou a contar as peripécias do Tchuco, os colegas dele não acreditaram. Talvez porque os 'causos' denunciassem a existência de um ser sobrenatural aqui no sítio, não sei. O fato é que eles achavam tudo muito estranho e impossível de acontecer. Mas meu irmão insistia: "gente é a mais pura verdade!" e os amigos insistiam em dizer que era pura conversa fiada. Ah é? pensam que estou mentindo? Cansei. Agora eles vão ver o que é bom pra tosse. Vou armar uma pegadinha e eles irão acreditar na marra. Me aguardem. E, com essa ideia na cabeça, meu irmão continuou a contar as histórias, mas passou a caprichar nos detalhes e, pacientemente, foi povoando de quimeras a memória e a imaginação do grupo.  

Há uma lei universal que diz que quando você estiver com medo, tudo vai te apavorar, qualquer som parecerá aterrorizante. E se você for realmente tomado pelo pavor, não haverá nada que possa ser feito, a não ser correr à toda velocidade até sentir-se novamente em segurança. Mas daí, o medo já atingiu uma intensidade tal, que você só quer saber de enfiar a cabeça num buraco e esquecer esse mundo cruel, rs.

Desta feita, meu irmão combinou com meu filho, então adolescente, para darem um cagaço naquela turma de marrentos. Na sequência, tio e sobrinho trataram de elaborar o cenário perfeito para que o susto "já chegasse assustando". Meu filho rapidamente convidou um auxiliar e sem demora, iniciaram os preparativos. Quem precisa de fantasias se tiverem sacos plásticos, lençóis, cordões e a cumplicidade perfeita dos avós para rápidas montagens e amarrações? Depois é só esperar a hora de agir: nem antes, nem depois, no momento exato. 

Favor prestar atenção aos elementos essenciais da história: medo, - muiiiito medo, - susto e pavor. E os ingredientes: noite de verão, lua cheia, campo, mata fechada, churrasco e cerveja. 

Na data combinada para o churrasco, os amigos chegaram eufóricos, prontos para se divertirem. O grupo era pequeno, pouco mais de quinze pessoas, tudo gente da cidade, ávidos por aventuras em cenários diferenciados e, claro! todos já sabiam da probabilidade de avistarem o Tchuco na mata, entre as árvores. 

A noite estava perfeita e a lua brilhava no céu. Nas noites de lua cheia, a luz é muito clara no campo, mas cria sombras assustadoras na mata. E a mata é um território de imaginações! Pois bem. O churrasco transcorreu de boas. Muita carne, muita cerveja e muita risada. Após a comilança veio a contação de causos de assombro. E mais risadas. Lá pelas tantas, pertinho da meia noite, quando as palavras não cabiam mais na boca, um deles lascou: "e aí, ninguém vai nos apresentar o Tchuco?" 

Meu irmão quase deixou escapar uma risadinha, mas conseguiu se conter a tempo e falou com a maior seriedade: vocês querem mesmo entrar no mato pra verem o Tchuco? Tudo bem, fica logo ali, após aquela clareira, e apontou com o dedo. Mas, já sabem, terão que ir sem lanternas, pois ele só se deixa ver na claridade da lua. Não irei com vocês porque tenho que cuidar das cervejas no freezer, pra evitar que congelem, rs.

Por óbvio, meu filho e seu amigo, - que conheciam o sítio como a palma da mão -, já estavam a postos, escondidos entre as árvores, devidamente paramentados, esperando apenas o momento decisivo para colocarem o plano em ação. 

Com rigor técnico, meu irmão preveniu os amigos que andassem em silêncio, prestassem bastante atenção no entorno, observassem os movimentos do mato e que, sobretudo, ninguém se dispersasse. Que ficassem todos juntos. Arrematou dizendo que se avistassem o Tchuco não haveria perigo: ele é uma criatura estranha, da noite, mas é do bem. E que ninguém precisava ter medo.

Medo? Ora, medo. Era só o que faltava! E por acaso alguém aqui tem medo do Tchuco? uma assombraçãozinha de nada? Quem vai ficar com medo é ele, isso sim! Criatura estranha? Nem vem.

E lá se foram eles, desbravadores, sorridentes, cheios de si, prontos para a grande aventura, talvez a única oportunidade de conhecerem um habitante do mundo sobrenatural. 

Para maior 'segurança', meu irmão foi com eles até um pedaço orientando sobre os cuidados que deveriam ter ao andarem de noite na mata, sem iluminação. Explicou que em alguns lugares a claridade da lua não entra devido a densidade das árvores, e falou sobre como se comportarem caso cruzassem com algum morcego desavisado. Já viram um morcego à luz do luar? E que não se assustassem com as corujas nem com os gambás que saem à noite para se alimentarem. Às vezes aparecem alguns bugios, mas são poucos. 

Recomendados, eles seguiram em silêncio, tão quietos que se ouvia a respiração. 

Assim que avançaram um pouco na mata começaram a ouvir uns estalos. Isso é nas árvores? alguém perguntou baixinho. Apuraram o ouvido e arregalaram os olhos. E começaram a sussurrar: ô meu, olha ali na árvore, que é aquilo? Olha ali, olha ali, tem uma coisa se mexendo ali atrás. Vocês viram o que eu vi, lá adiante? Gente... que é isso? Quéissuuu? Uns sons esquisitos que ninguém conhecia. Seriam sons sobrenaturais? Ou eram apenas os sons do mato e do campo? Seria o andar de algum animal noturno? E aquela sombra encostada na árvore? meu Deus. 

A poucos passos perceberam um movimento rápido como uma chispa. Mais adiante, outro, e mais outro. As chispas sumiam e voltavam e, no escuro, ninguém conseguia ter a menor ideia do que se tratava. E o medo, construído no solo fértil da imaginação, começou a agir. Mas ninguém falou nada, não queriam dar o braço a torcer. 

Foi então que a valentia sumiu e a voz tremeu: é ELE! e numa fração de segundo tudo aconteceu! Foram surpreendidos por um vulto que corria e saltava entre as árvores. Ora aparecia aqui, ora ali, como um relâmpago. Era uma figura esvoaçante e fluída, sem contornos específicos. Tinha uma aura misteriosa que pairava sobre sua cabeça como uma bruma, e seus rápidos movimentos cortavam o ar em manobras inesperadas de avanço e recuo. Um ser extremamente desafiador. Feito um sátiro. Ou um fantasma sem cor. 

A turma congelou. Que fazer, avançar ou recuar? 
C U I D A D O !  ele está vindoooo... 

E, pernas para que te quero!  

Foi um entrevero, uma gritaria como eu nunca tinha visto. Era gente correndo e se batendo, era gente correndo e atropelando os cachorros, era gente enveredando pra dentro das cocheiras e acordando os cavalos, era gente correndo sem rumo pelo campo aberto... um verdadeiro deus nos acuda. Até o galo se confundiu e começou a cantar. 

Aturdidos e incrédulos eles só pararam de correr quando chegaram novamente ao local do churrasco. Ninguém me contou, eu vi: eles tomaram um susto pra ninguém botar defeito! Simplesmente perderam o chão!

Depois do caso passado todo mundo desandou a rir. E ficaram ainda por um bom tempo morrendo de rir, uns da cara dos outros. Ninguém conseguia parar, nem eu. Minha barriga doía de tanto rir. Eu, meu irmão, meu filho e o amigo dele, ríamos por uma razão (você já sabe) e eles por outra. 

E a festa continuou por mais algumas cervejas e outras tantas risadas. Aos poucos, a turma foi pegando a estrada. (naquele tempo podia-se dirigir depois das cervejas). 

Foi uma noite memorável, uma grata e sorridente recordação. 

Não sei se alguém ficou sabendo da 'pegadinha', mas aposto que eles enchem o peito e, orgulhosos, contam pra seus filhos e netos, que numa noite de lua cheia estiveram cara a cara com o Tchuco, um ser sobrenatural, quimérico e desafiador. E que heroicamente sobreviveram. 

E que ninguém duvide, eles não estão mentindo. A mentira é outra; e foi armada em cima de uma verdade que ninguém queria acreditar. E isso é coisa que se faça? Não sei, mas fizeram, e eu vi a cena e os bastidores. E por falar em verdade, onde andará o Tchuco que há tempos ninguém vê? 


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