|
Imagem: Google |
Na terça-feira, (03.03.2015), o Congresso Nacional aprovou o projeto de Lei 8305/14, do Senado, que classifica o femicídio como crime hediondo e o inclui no Código Penal como homicídio qualificado. Isso significa que assim que a lei for sancionada, todo assassinato de mulheres motivado por razão de gênero (pelo simples fato de ser mulher), será enquadrado nessa classificação.
Lamento que nas celebrações do dia da mulher - 08 de março - a pauta da violência ainda esteja em alta. Por isso, sou plenamente a favor da promulgação do femicídio.
Conceituar como femicídio o assassinato de mulheres, pelo fato de serem mulheres, a meu ver representa um avanço na compreensão política do caráter sexista presente nos crimes de homicídio contra as mulheres, que recentemente passaram a serem estudados, fazendo ressaltar a necessidade de criminalização. Considero importante essa tipificação porque, à toda evidência, o que não tem nome, não existe... "é preciso dar nome aos bois". E a adoção do termo femicídio, além de tipificar o crime, serve também ao propósito de desmistificar a aparente neutralidade que subjaz ao termo assassinato, mostrando tratar-se de fenômeno inerente ao histórico processo de subordinação das mulheres.
Tão triste que durante tanto tempo, tantas mulheres tenham sido assassinadas e os crimes banalizados, tratados como um crime a mais na seara delituosa. Acontece que não são. O assassinato de mulheres, pelo fato de serem mulheres, é uma das consequências mais cruéis da subordinação da mulher e da negação da sua autonomia. E o retrato vivo dessa negação aparece no próprio desenho dos meios de comunicação, que divulgam esses crimes, dizendo tratar-se de “crime passional”. Todavia, um homicídio de mulher não pode ser tratado como um crime passional, porque não é. Assim tratado, você desqualifica o crime, banaliza o crime, -- afinal foi praticado num momento de raiva, você pensa --. Mas não foi. O femicídio é um processo de violência. Por isso, está mais do que na hora de erradicar o tal “crime passional”, que traz em si um conceito misógino, que ignora todo o sistema de dominação patriarcal e tenta manter as mulheres numa eterna subordinação.
Está na hora de tipificar, de criminalizar, de tirar esse crime do esconderijo. Quando se tipifica um crime, esse crime passa a existir juridicamente, e sai da impunidade. Surgem inúmeras possibilidades de aprimorar registros, criar mecanismos de controle, definir prioridades, etc, claro está, que a tipificação por si só, não basta, até porque, na nossa lei penal subsiste ainda o controle patriarcal contra a mulher. Então precisamos também que, ao lado da tipificação, aconteçam mudanças estruturais na sociedade, reformas gerais, tanto na legislação como nas políticas públicas que, expressa ou tacitamente, contenham preceitos discriminatórios violadores da dignidade humana. É crucial que se analise os delitos contra mulheres à luz de toda a discriminação histórica que as vitimou, da violência estrutural e sistemática, bem como da ausência de políticas públicas de prevenção, punição e erradicação desses delitos.
Desejo muito que um dia, num estágio de evolução superior, possamos olhar para essa lei e achá-la obsoleta. Que num futuro próximo, o crime tipificado nesse diploma legal, não passe de mera curiosidade histórica e antropológica. Mas enquanto esse estágio evolutivo não chega, reconheço que é preciso zelar pelas mulheres, esses seres vulneráveis que vivem nessa sociedade 'moderna' e bárbara, regida pela lei do mais forte. É urgente criminalizar o assassinato de mulheres. É urgente repudiar os crimes de gênero.
Marli Soares Borges