segunda-feira, fevereiro 10, 2014

UM SONO QUE NÃO É SONO


Millôr disse que estamos condenados à esperança. Concordo. Uma das mais assustadoras sentenças condenatórias que poderíamos receber no processo da vida, é a esperança. Do verbo esperar, bem entendido. Os que recebem tal sentença, a menos que apelem para a Luz, restarão invariavelmente aprisionados na estagnação pessoal e social. Eles simplesmente desistirão da viagem, "na véspera de não partir nunca, ao menos não há que arrumar malas", ah, meu amigo Pessoa, você foi direto na jugular! Tenho medo dessa esperança "pirata", essa bruxa perversa que sufoca e aprisiona as pessoas numa prisão insalubre. Deixa você fora do ar, dormindo... eternamente. Inerte como naquele filme, onde o gigante deitado em berço esplêndido, espera não sei o quê. Dorme um sono pegajoso, que não é sono, é uma absurda inação. (Esse filme costuma passar muito por aqui). Mas, fora da prisão, a vida segue outro rumo. Na liberdade as pessoas enxergam a Luz! Livres da esperança "pirata" todos têm plena capacidade de agir e fazer acontecer! Animam-se a lutar, a viver e a buscar. Porque sabem que, longe da inércia, há possibilidade concreta de conquistarem os sonhos possíveis. Isso é o que eu chamo, gozar os efeitos da verdadeira Esperança, aquela do verbo esperançar. Um santo remédio, como diria minha esperta avó.
- Marli Soares Borges -

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

MÃE DAS ÁGUAS


IEMANJÁ CAMORÔ - Arte Naif by Helena Coelho

NOSSA SENHORA DOS NAVEGANTES DO BRASIL - Arte Naif by Aecio















No dia 2 de fevereiro acontece em Porto Alegre - RS a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, padroeira da cidade. É uma festa católica e pelo que sei é a segunda maior romaria religiosa do País, atrás apenas do Círio de Nazaré, em Belém do Pará. Antes a procissão era fluvial, atualmente, por determinação da Capitania dos Portos, passou a ser terrestre. Maria, mãe de Jesus é considerada como a santa protetora dos mares e a designação de Nossa Senhora dos Navegantes aconteceu porque no passado, os marinheiros rezavam pedindo-lhe proteção nas viagens acreditando que ela os protegeria dos perigos do mar, das tempestades e dos naufrágios. Também é chamada de Nossa Senhora da Boa Esperança, da Boa Viagem e das Candeias. A festa aproxima pessoas de várias religiões num exercício de fé. Isso acontece devido ao sincretismo religioso que existe com Iemanjá, um orixá africano que faz parte do candomblé e de outras religiões afro-brasileiras. Iemanjá aparece no Candomblé representada pela figura arquetípica da sereia, uma mulher de longos cabelos, habitante do reino das águas. A origem mitológica deste orixá provém de uma pequena nação africana, para a qual ela representava o leito original, de onde nasceram todos os seres vivos. Na Umbanda, ela é chamada Mãe Iemanjá ou Senhora da Coroa Estrelada. Também recebe o título de Rainha do Mar. É reconhecida como divindade maternal e protetora, senhora da fartura e da abundância. Na procissão as pessoas colocam oferendas nas embarcações e esperam que a mãe das águas atenda cada um dos seus pedidos. Acreditam que agradando Iemanjá, ela se sentirá mais inclinada a conceder as graças que tanto desejam. 

E você, já fez sua reverência? E os pedidos? E os agradecimentos? Lembrou de pegar seus sonhos inconfessados, colocá-los num barquinho -- mental -- pra navegar nas águas de Iemanjá? - Marli Soares Borges -

segunda-feira, janeiro 13, 2014

ENCENAÇÕES



Não sou mais quem eu era. Noutros tempos eu queria mudar o mundo, achava que podia, afinal eu tinha as ferramentas: juventude, força e garra. E para mim isso era o bastante. Durante anos de minha vida estive ocupada nessa mudança, fazendo isso e aquilo. Lidei com pessoas, aprendi, ensinei, mostrei como se faz, dei chance de fazer. Vi muita gente triste que iluminava o rosto quando aprendia alguma coisa com a qual poderia fazer algum dinheiro. Hasteei a bandeira dos valores perenes: amor, gentileza, responsabilidade, empatia, honra e justiça. E eis que chegaram as novas gerações, e outras mais novas ainda. E alguma coisa se perdeu pelo caminho. O vento jogou longe a chave e fez bater a porta daquele mundo de luz. Do lado de cá, restou um imenso teatro onde vive-se de encenações. Os arautos do rei se mumificaram no poder. Não há saída para que as pessoas comuns façam, pacificamente, a lei valer a seu favor. As virtudes desvaneceram. A cara de paisagem e o sorriso falso parecem ser as únicas ferramentas que restaram para as pessoas ganharem a vida.

Olho no buraco da fechadura e a luz está lá. Porém o tempo passou e não tenho mais força física para abrir a porta, sou apenas uma alma apaixonada e um coração que bate. Mas, se o tempo e a vida enfraqueceram meu corpo, meu caráter continua indômito e não vou me render, vou colocar em cena, ações!

Ainda sonho com a Luz do Novo Mundo: as pessoas incorruptíveis, conscientes de suas responsabilidades planetárias, a justiça funcionando, os governos governando, os direitos e deveres garantidos. Ainda resta-me a palavra e irei usá-la enquanto puder: jogarei palavras ao vento. E, para começar, vou polinizar a empatia que, a meu ver, é a virtude que está fazendo mais falta nesse mundo. - Marli Soares Borges -

sexta-feira, janeiro 10, 2014

A FÉ NÃO SE EXPLICA

Meu primeiro post de 2014 é de fé.
Acreditar e ter fé são coisas diferentes. Quem acredita, apenas acredita, é, portanto uma pessoa crédula, uma pessoa que crê em alguma coisa. Jaz ali inerte, ingênua e crente... na zona de conforto. Acredita que na última hora acontecerá a mágica da salvação. O milagre da crença -- que chamam de fé --, tomará as rédeas e os problemas estarão resolvidos. Mas não! Para mim, fé é outra coisa. E não tem nada a ver com religião, nem com religiosidade. Não há mágica, mas a fé salva. Não aquela fé inerte, confortável, social. A inércia não é um componente da fé, e as próprias escrituras, afastando a credulidade, nos fazem ver que "a fé sem obras é morta". A fé é dinâmica, supõe movimento -- move montanhas. É vontade, ação e confiança inabalável. E não se explica: quem tem, tem. É bem como li não sei onde: "primeiro você dá o passo, depois um deus coloca o chão". Mas o passo, a mola propulsora do acontecimento está com você. É a sua vez. Marli Soares Borges

sábado, dezembro 28, 2013

GRATIDÃO



Em tempos de Natal volto a pensar na gratidão, ou melhor, na falta de. E ouço com nitidez as palavras de Victor Hugo: "os infelizes são ingratos, isso faz parte da infelicidade deles" e lembro também de Balzac, "a gratidão perfuma as grandes almas e azeda as almas pequenas". Verdade. Tem aqueles que ficam felizes quando lhes prestamos algum favor e até sentimos os laços de amizade se estreitarem. Mas tem outros - e não são poucos - que esquecem rapidamente a ajuda que receberam. Johnson dizia que jamais encontraremos gratidão entre gente vulgar, porque a gratidão é a virtude das almas nobres. E é. Talvez por isso seja tão rara. Quer coisa mais vulgar que o egoísmo? Os egoístas medem a gratidão pelo próprio ego e respiram a lógica insana de que são os grandes merecedores das benesses do mundo! Ingratos, é isso que eles são! Um bando de gente que se acostumou a receber ajuda de pai, mãe, irmão, amigo, empregado, filho, sogro, companheiro, etc. São abençoados todos os dias e não dão a menor bola. Se você pertence a essa turma, vou te dizer uma coisa: olhe para os lados e trate de entender que essa gente de fé, que todo o santo dia faz alguma coisa por ti, cada um a seu modo, se sacrifica para te ajudar. Mas se você não se importa, então é porque tua alma pequena perdeu o perfume e azedou! E azeda você vai deixando a vida dos que te cercam, essa pobre gente explorada, que paga muito caro por ter decidido um dia te ajudar. Que tristeza, você perdeu a memória do coração! Se assim não fosse, você já teria se dado conta de que não tem direito de magoar ninguém e você não viraria as costas para os viventes que te ajudam nesse mundo. E você faria o dever de casa: abraçar, agradecer, retribuir a bondade, com pequenos gestos de reconhecimento e afeto. Dar graças a quem nos ajuda, esse é o lance. A gratidão é amiga da delicadeza e da boa convivência. Que tal aproveitar o Natal e agradecer ao céu e a terra, a ajuda recebida? Exercitar a gratidão? 

 Marli Soares Borges


terça-feira, dezembro 24, 2013

segunda-feira, dezembro 16, 2013

TELECO O COELHINHO - MURILO RUBIÃO

Eu adoro realismo mágico (fantástico). Então lembrei do Murilo Rubião*, um contista mineiro que li há tempos atrás. Ele é ótimo. Sua escrita tem um brilho que me encanta, mormente sua visão crítica da sociedade. E o rigor da linguagem? Absolutamente perfeito. Fico triste quando alguém que gosta de ler, diz que não conhece sua obra. Não sabe o que está perdendo. Gosto demais do conto “Teleco, o Coelhinho” que li no livro “Os Dragões e Outros Contos”, putz, faz tanto tempo que nem lembro se foi nesse livro mesmo, rsrsrs.
"- Moço, me dá um cigarro?
A voz era sumida, quase um sussurro. Permaneci na mesma posição em que me encontrava, frente ao mar, absorvido com ridículas lembranças.
O importuno pedinte insistia:
- Moço, oh! moço! Moço, me dá um cigarro?
Ainda com os olhos fixos na praia, resmunguei:
- Vá embora, moleque, senão chamo a polícia.
- Está bem, moço.Não se zangue. E, por favor, saia da minha frente, que eu também gosto de ver o mar.
Exasperou-me a insolência de quem assim me tratava e virei-me, disposto a escorraçá-lo com um pontapé. Fui desarmado, entretanto. Diante de mim estava um coelhinho cinzento, a me interpelar delicadamente:
- Você não dá é porque não tem, não é, moço?"
Sim, o personagem principal é um coelho. Mas não é bem um coelho. Na verdade Teleco é uma metamorfose ambulante. Ele vive se transformando em outros animais. A gente se refere a ele como coelhinho porque é assim que ele se apresenta pela primeira vez, mas poderia ser uma pulga, um leão, um cavalo, uma ave extinta ou até... Resumindo, ele mesmo confessa que a versatilidade é o seu fraco. Mas tudo bem, por enquanto o coelhinho só quer agradar os outros. Mas a coisa esquenta quando ele se transforma em canguru, arranja uma namorada e afirma que é homem e que se chama Barbosa. Santo Cristo, agora complicou...

É impressionante como Rubião consegue mostrar tudo o que lhe passa pela cabeça, somente utilizando metáforas. E metáforas perfeitas, diga-se de passagem. Veja só nesse conto, (você já viu, óbvio) a animalização da humanidade, o homem deixando de ser um “humano” para ser um “desumano” é uma coisa muito louca! Só um gênio desse quilate conseguiria fazer essa transposição, essa mágica literária. Acho, (pura achologia mesmo), que o tom lúdico desse conto serve para mascarar nossas questões existenciais e que Rubião quis sintetizar, e sintetizou, a meu ver, o início da criação humana à luz da Bíblia, desde o nascimento inocente até a corrupção. Para mim, todas as metamorfoses do coelhinho revelam uma inútil tentativa de adaptação a um mundo onde não há mais valores referenciais.

Mas tem uma coisa que sempre achei paradoxal: é que embora os textos bíblicos marquem presença em sua obra, há também um ceticismo a respeito da salvação. Lembro que ao ler seus livros, no final, eu sempre ficava com essa sensação. Sei lá. Tempos depois, a notícia: ele virou ateu. Biiiiiingo!

* Murilo Eugênio Rubião foi jornalista e escritor brasileiro. Nasceu em Carmo de Minas - Belo Horizonte.
Beijos a todos.

P.S. - Publicado pela primeira vez em junho de 2011.