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segunda-feira, setembro 08, 2025

A VEZ DAS BONECAS

 

A vez das bonecas

- Marli Soares Borges -


Em pequena, minha vó fazia de tudo para eu brincar de bonecas. 

Santa Terezinha fica feliz quando vê tu brincando com tuas bonecas, ela dizia. E eu, espertinha, olhava atravessado e já ia respondendo: ela fica mais feliz quando corro no quintal até cansar, ou quando pulo corda, ou quando subo nas árvores pra ficar perto dos passarinhos. 

Na maior parte das vezes, mesmo a contragosto, eu abandonava tudo o que estava fazendo e ia bem depressa pegar minhas bonecas e tratava de brincar. Eu me sentia muito feliz em alegrar a quem eu amava e que tanto me amava. 

Benditos foram os dias nos quais alegrei os dias de minha querida vó! Essas lembranças refrigeram minha alma e fazem sorrir meu coração. 

(Desculpe a lembrança, estou saudosa hoje, desde que acordei).


💛 💛 💛

sexta-feira, agosto 22, 2025

MUNDARÉU




- Marli Soares Borges -

É frio e chuva que não acaba mais! Tem chovido tanto e feito tanto frio por aqui, que comecei a enguiçar. Este combustível frio e úmido só está enfraquecendo meus ossos e soltando meus pinos. Estou cansada de bater o queixo e bater os pinos: vou dar um jeito nisso. Hora de apelar para minhas recordações e (re)viver as coisas boas, alimentar-me de boas lembranças, coisas quentes, perfumadas e saborosas. Voilà!

Guardo na memória as imagens e sensações do café coado naqueles coadores de pano, que a gente precisava lavar sempre depois de cada uso. Me dá água na boca, pensar nos bolinhos de chuva que minha vó fazia e saboreávamos com café, pertinho do fogão de ferro, nas tardes chuvosas e frias aqui do sul. O bolo quentinho e perfumado, recém saído do forno, as broas de milho, tudo com gostinho de quero mais.

Nasci e fui criada pelos meus avós. Morávamos no interior, bem no interior, no meio do mato. E aguçando minhas lembranças, me vem um detalhe: lá pelos meus 12 anos de idade, o café solúvel já circulava nas mesas e era tudo de bom: imagine, bastava apenas aquecer a água e pronto! Nada de lavações de coadores de café. E o gostinho do café solúvel era tudo de bom! E continua sendo. Adoro. E a modernidade foi trazendo outras maravilhas. Quando conheci o cappuccino, apaixonei-me de vez! E ainda estou nessa vibe de nescafé e capuccino.     

Eu pensava que devido às mudanças do mundo, meus filhos (e netos) não teriam muito o que lembrar no futuro, mas com o passar do tempo, pude ver que eu estava enganada. É óbvio que eles não tem o mesmo tipo de lembrança que eu tenho, porque quando eles nasceram a vida já havia mudado. Eu trabalhava o dia inteiro e estudava à noite. Bolinhos de chuva, só os comprados na padaria. E nada de broas, nem cheirinho de bolo quente perfumando a casa. Nunca tive tempo nem jeito para esses quitutes, no máximo saía um mingauzinho de aveia, (que faço até hoje, rs). E meus filhos nunca reclamaram. Eles nasceram noutro tempo e têm outra visão de mundo, outras lembranças, e fico feliz porque são ótimas lembranças! Eles lembram de coisas que eu nem imaginava que seriam tão importantes para eles e que comporiam mais tarde, seu acervo de boas lembranças. E já os vi, sorridentes com os amigos, falando e vibrando com o que viveram no passado. E sentindo saudades do passado deles, da infância e dos acontecidos. Do mesmo jeito que eu sinto saudades do meu passado.

É a roda da vida.

Hoje em dia, graças ao aumento da longevidade, há milhares de avós e bisavós no mundo e há milhares de memórias que nos falam de sabores e perfumes de bolos, broas e cafés. E comidinhas especiais daqueles tempos. 

Há milhares de avós e bisavós que graças à tecnologia, podem ler belos textos sobre o passado e reviver os fascínios da infância. E ainda podem dar-se ao luxo de obter novos aprendizados, testar novas receitas e novos sabores. Que me desculpem os saudosistas, mas a modernidade também tem seu valor. 

E há milhares de filhos tornando-se pais e avós, e saudosos, contando ao mundo os encantamentos de suas infâncias provindas de um passado recente.  

Na verdade, penso que a saudade que sentimos ao relembrar o passado, não é "das coisas" do passado. As coisas são partes do cenário de cada época. A saudade que sentimos é de nós, de nós mesmos, da idade que tínhamos no passado, do nosso eu, das nossas ilusões, dos nossos milhares de horizontes, do mundaréu de vida que tínhamos pela frente. 


❤❤❤❤❤

sexta-feira, novembro 26, 2021

O TCHUCO

A valentia sumiu e a voz tremeu
Cuidado, ele está vindooooo...


- Marli Soares Borges



Eu sei que você não sabe, mas é dele que eu quero falar. 

"Tchuco" é o nome que demos a uma entidade sobrenatural que existe - "de verdade" - aqui no sítio e que aparece na mata, em noites de lua cheia, geralmente no verão. Todos daqui já o viram e cada qual tem um 'causo' espantoso, mágico ou inesquecível para contar. 

Eu também tenho.

Aconteceu em meados de 1995, 96, sei lá. Mas foi há quase trinta anos. Era tudo gente moça, na faixa dos vinte e poucos; menos eu, que beirava os quarenta.

Quando meu irmão mais moço, - bem mais moço do que eu - começou a contar as peripécias do Tchuco, os colegas dele não acreditaram. Talvez porque os 'causos' denunciassem a existência de um ser sobrenatural aqui no sítio, não sei. O fato é que eles achavam tudo muito estranho e impossível de acontecer. Mas meu irmão insistia: "gente é a mais pura verdade!" e os amigos insistiam em dizer que era pura conversa fiada. Ah é? pensam que estou mentindo? Cansei. Agora eles vão ver o que é bom pra tosse. Vou armar uma pegadinha e eles irão acreditar na marra. Me aguardem. E, com essa ideia na cabeça, meu irmão continuou a contar as histórias, mas passou a caprichar nos detalhes e, pacientemente, foi povoando de quimeras a memória e a imaginação do grupo.  

Há uma lei universal que diz que quando você estiver com medo, tudo vai te apavorar, qualquer som parecerá aterrorizante. E se você for realmente tomado pelo pavor, não haverá nada que possa ser feito, a não ser correr à toda velocidade até sentir-se novamente em segurança. Mas daí, o medo já atingiu uma intensidade tal, que você só quer saber de enfiar a cabeça num buraco e esquecer esse mundo cruel, rs.

Desta feita, meu irmão combinou com meu filho, então adolescente, para darem um cagaço naquela turma de marrentos. Na sequência, tio e sobrinho trataram de elaborar o cenário perfeito para que o susto "já chegasse assustando". Meu filho rapidamente convidou um auxiliar e sem demora, iniciaram os preparativos. Quem precisa de fantasias se tiverem sacos plásticos, lençóis, cordões e a cumplicidade perfeita dos avós para rápidas montagens e amarrações? Depois é só esperar a hora de agir: nem antes, nem depois, no momento exato. 

Favor prestar atenção aos elementos essenciais da história: medo, - muiiiito medo, - susto e pavor. E os ingredientes: noite de verão, lua cheia, campo, mata fechada, churrasco e cerveja. 

Na data combinada para o churrasco, os amigos chegaram eufóricos, prontos para se divertirem. O grupo era pequeno, pouco mais de quinze pessoas, tudo gente da cidade, ávidos por aventuras em cenários diferenciados e, claro! todos já sabiam da probabilidade de avistarem o Tchuco na mata, entre as árvores. 

A noite estava perfeita e a lua brilhava no céu. Nas noites de lua cheia, a luz é muito clara no campo, mas cria sombras assustadoras na mata. E a mata é um território de imaginações! Pois bem. O churrasco transcorreu de boas. Muita carne, muita cerveja e muita risada. Após a comilança veio a contação de causos de assombro. E mais risadas. Lá pelas tantas, pertinho da meia noite, quando as palavras não cabiam mais na boca, um deles lascou: "e aí, ninguém vai nos apresentar o Tchuco?" 

Meu irmão quase deixou escapar uma risadinha, mas conseguiu se conter a tempo e falou com a maior seriedade: vocês querem mesmo entrar no mato pra verem o Tchuco? Tudo bem, fica logo ali, após aquela clareira, e apontou com o dedo. Mas, já sabem, terão que ir sem lanternas, pois ele só se deixa ver na claridade da lua. Não irei com vocês porque tenho que cuidar das cervejas no freezer, pra evitar que congelem, rs.

Por óbvio, meu filho e seu amigo, - que conheciam o sítio como a palma da mão -, já estavam a postos, escondidos entre as árvores, devidamente paramentados, esperando apenas o momento decisivo para colocarem o plano em ação. 

Com rigor técnico, meu irmão preveniu os amigos que andassem em silêncio, prestassem bastante atenção no entorno, observassem os movimentos do mato e que, sobretudo, ninguém se dispersasse. Que ficassem todos juntos. Arrematou dizendo que se avistassem o Tchuco não haveria perigo: ele é uma criatura estranha, da noite, mas é do bem. E que ninguém precisava ter medo.

Medo? Ora, medo. Era só o que faltava! E por acaso alguém aqui tem medo do Tchuco? uma assombraçãozinha de nada? Quem vai ficar com medo é ele, isso sim! Criatura estranha? Nem vem.

E lá se foram eles, desbravadores, sorridentes, cheios de si, prontos para a grande aventura, talvez a única oportunidade de conhecerem um habitante do mundo sobrenatural. 

Para maior 'segurança', meu irmão foi com eles até um pedaço orientando sobre os cuidados que deveriam ter ao andarem de noite na mata, sem iluminação. Explicou que em alguns lugares a claridade da lua não entra devido a densidade das árvores, e falou sobre como se comportarem caso cruzassem com algum morcego desavisado. Já viram um morcego à luz do luar? E que não se assustassem com as corujas nem com os gambás que saem à noite para se alimentarem. Às vezes aparecem alguns bugios, mas são poucos. 

Recomendados, eles seguiram em silêncio, tão quietos que se ouvia a respiração. 

Assim que avançaram um pouco na mata começaram a ouvir uns estalos. Isso é nas árvores? alguém perguntou baixinho. Apuraram o ouvido e arregalaram os olhos. E começaram a sussurrar: ô meu, olha ali na árvore, que é aquilo? Olha ali, olha ali, tem uma coisa se mexendo ali atrás. Vocês viram o que eu vi, lá adiante? Gente... que é isso? Quéissuuu? Uns sons esquisitos que ninguém conhecia. Seriam sons sobrenaturais? Ou eram apenas os sons do mato e do campo? Seria o andar de algum animal noturno? E aquela sombra encostada na árvore? meu Deus. 

A poucos passos perceberam um movimento rápido como uma chispa. Mais adiante, outro, e mais outro. As chispas sumiam e voltavam e, no escuro, ninguém conseguia ter a menor ideia do que se tratava. E o medo, construído no solo fértil da imaginação, começou a agir. Mas ninguém falou nada, não queriam dar o braço a torcer. 

Foi então que a valentia sumiu e a voz tremeu: é ELE! e numa fração de segundo tudo aconteceu! Foram surpreendidos por um vulto que corria e saltava entre as árvores. Ora aparecia aqui, ora ali, como um relâmpago. Era uma figura esvoaçante e fluída, sem contornos específicos. Tinha uma aura misteriosa que pairava sobre sua cabeça como uma bruma, e seus rápidos movimentos cortavam o ar em manobras inesperadas de avanço e recuo. Um ser extremamente desafiador. Feito um sátiro. Ou um fantasma sem cor. 

A turma congelou. Que fazer, avançar ou recuar? 
C U I D A D O !  ele está vindoooo... 

E, pernas para que te quero!  

Foi um entrevero, uma gritaria como eu nunca tinha visto. Era gente correndo e se batendo, era gente correndo e atropelando os cachorros, era gente enveredando pra dentro das cocheiras e acordando os cavalos, era gente correndo sem rumo pelo campo aberto... um verdadeiro deus nos acuda. Até o galo se confundiu e começou a cantar. 

Aturdidos e incrédulos eles só pararam de correr quando chegaram novamente ao local do churrasco. Ninguém me contou, eu vi: eles tomaram um susto pra ninguém botar defeito! Simplesmente perderam o chão!

Depois do caso passado todo mundo desandou a rir. E ficaram ainda por um bom tempo morrendo de rir, uns da cara dos outros. Ninguém conseguia parar, nem eu. Minha barriga doía de tanto rir. Eu, meu irmão, meu filho e o amigo dele, ríamos por uma razão (você já sabe) e eles por outra. 

E a festa continuou por mais algumas cervejas e outras tantas risadas. Aos poucos, a turma foi pegando a estrada. (naquele tempo podia-se dirigir depois das cervejas). 

Foi uma noite memorável, uma grata e sorridente recordação. 

Não sei se alguém ficou sabendo da 'pegadinha', mas aposto que eles enchem o peito e, orgulhosos, contam pra seus filhos e netos, que numa noite de lua cheia estiveram cara a cara com o Tchuco, um ser sobrenatural, quimérico e desafiador. E que heroicamente sobreviveram. 

E que ninguém duvide, eles não estão mentindo. A mentira é outra; e foi armada em cima de uma verdade que ninguém queria acreditar. E isso é coisa que se faça? Não sei, mas fizeram, e eu vi a cena e os bastidores. E por falar em verdade, onde andará o Tchuco que há tempos ninguém vê? 


* * * * * * * * * *

terça-feira, setembro 28, 2021

O LIVRO DA VIDA

O Livro da Vida


- Marli Soares Borges -


Eu sempre soube que naquele livro havia mais do que histórias. Muito mais. Aquele livro sempre me fascinou, era tão lindo, tão poderoso. Capa dura, grandes letras douradas. A lombada, a gente via de longe, tão bonita que era. E meu avô vivia lendo, que é pra ter o que te contar, menina! Depois ele guardava o livro, sempre embrulhado num papel de seda. E me contava as histórias, algumas bem tristes, outras alegres e engraçadas. E eu adorava. Ele era um homem bom, muito alegre e de bem com a vida. E sabia contar histórias com alma. E assim como eu chorava, eu também dava boas risadas.

Então cresci e fui cuidar da minha vida. 

Numa manhã, no dia em que completaria 84, meu avô se foi. Fechou os olhos tranquilamente e foi ter com os anjos. E minha vó me deu o livro, dizendo que ele havia deixado para mim. O embrulho era o mesmo, o papel de seda surrado. Eu, morta de tristeza, nem abri o pacote, era muito recente a partida do meu querido contador de histórias, o homem que recheou minha infância de quimeras. Coloquei o livro na estante e prometi a mim mesmo que um dia iria abri-lo para me deliciar. 

O tempo foi passando e minhas crianças crescendo, então lembrei do livro. É agora, pensei, vou matar vários tipos de saudade e ainda abastecer minha mente com lindas histórias para encantar meus filhos.

Feliz da vida corri para a estante. E não é que comecei a tremer? Minhas recordações avivaram-se e a emoção tomou conta de mim. Qual será a primeira história que vou ler? E qual será a primeira que vou contar para meus filhos? 

Lembrei de uma que ele contava e que sempre me fazia chorar: uma família pobre, onze irmãos, todos crianças. Os meninos ajudando na roça e as meninas em casa, cuidando dos pequenos, das limpezas e da comida. Aquela mesa compriiiiiida e aquela panelona, todos os dias... quase sempre a mesma comida, e aquela mãe, sempre trabalhando na roça com o pai, e... sempre grávida. Pobre mulher. Com aquele barrigão e arando aquela terra ressequida, dura como pedra, naquele sol escaldante. De vez em quando ela parava e secava o rosto com a ponta do avental. E colocava as mãos nas cadeiras e forçava as costas para trás, para aliviar a dor. E prosseguia.

Quase chorei de novo.

Ah, meu Deus, com tantas histórias alegres e engraçadas, fui lembrar logo dessa? Não, essa não vou contar primeiro. E eu escutava a voz dele: "espera crescer menina, tu vais encontrar muitas histórias bonitas nesse livro aqui". 

Peguei o livro e corri os olhos para o título: O LIVRO DA VIDA. 

O tempo modifica tanto as coisas... lembrei de meu avô embrulhando o livro para que não estragasse. Não adiantou. As páginas estavam amareladas, as letras apagadas e quase nada havia para ler. Inexplicavelmente duas páginas intactas. Abri. Então pude ver a letra tremida do meu avô: "Vai, menina, agora é a tua vez de ler o livro da vida! Vai e conta tuas histórias para os teus. As minhas eu já contei".

Finalmente entendi tudo. Descobri onde ele "lia" as histórias que me contava. Meu avô era o irmão mais velho numa família de onze irmãos e aquele barrigão era da mãe dele, minha bisavó.


💙 💙 💙

NOTA:
Participando da BC da Norma do Blog Pensando em Família - "Histórias do viver" - A proposta é utilizar a imagem do post e narrar uma história.


quinta-feira, setembro 16, 2021

MEU REINO PRA REVER AQUELA TARDE


A Igreja era tão grande, mas tão grande que...

De tempos em tempos começo a fuçar nas minhas lembranças e aparece cada uma! 
O que vou contar é uma história boba, sem a menor graça, mas aconteceu comigo e está na minha cabeça há décadas. E cada vez que lembro, fico com uma pulga atrás da orelha. 


Eu devia ter uns cinco ou seis anos e morávamos - eu e meus avós - numa casa afastada da cidade. Meus dois únicos amigos, Elisa e Marquinhos, moravam na casa ao lado e eram irmãos, lembro deles até hoje. Costumávamos brincar no quintal da minha casa. Mas naquela tarde não teve brinquedo de pega-pega, estava muito calor e o sol fritando. Então resolvemos dar um passeio: visitar a igreja que estava sendo construída ali na esquina, dois terrenos depois. Passamos por debaixo da cerca e saímos escondidos, pois estávamos proibidos de pisar fora do nosso local de brincar. Chegamos na construção e ficamos embasbacados: a igreja era tão grande, mas tão grande que me deu até um arrepio na espinha, parecia que a gente havia encolhido. Olhamos para cima e nosso olhar se perdeu nas alturas. Mas, corajosos, seguimos em frente, pé ante pé, olhos arregalados e bico calado. Todo cuidado é pouco. 

Foi então que vimos os respingos... Pior! sentimos uma saraivada de gotas grossas, milhares, de um vermelho intenso que mais parecia... sangue. Como assim? ninguém está machucado, ai meu Deus, e agora? por que fomos sair escondidos? onde se viu entrar numa igrejona assim, sozinhos? E se tiver um vampiro na tocaia? ou uma alma do outro mundo? por que não ficamos brincando como sempre no nosso santuário? Olhamos pra todos os lados e nada, nenhuma viva alma, um silêncio mortal. E o medo tomou conta de nós. Apavorados saímos dali à toda velocidade, correndo a mil, debaixo daquele sol escaldante. Cheguei em casa alucinada, no maior suadouro e lembro que minha vó me abraçou e não disse uma palavra, apenas secou meu rosto, me deu um pouco d'água e esperou até que eu me acalmasse. Mais tarde ela pediu pra eu contar "tudo", mas não havia nada para contar. Ninguém tinha um arranhão sequer, ninguém sentiu nenhuma dor e ninguém viu nada perigoso. Pensei, pensei e a única coisa real que vimos, uns nos outros, foram uns respingos vermelhos nas nossas roupas. E era coisa pouca. 

Por causa desse "passeio" escondido, fiquei de castigo um tempão sem brincar com meus amigos (que também ficaram de castigo).

Não tem mais minha vó, não tem mais Elisa, não tem mais Marquinhos e minha casa de menina não existe mais. Fecho os olhos para ver melhor e... ah, como eu queria colher margaridas com minha vó, uma vez só, só mais uma, naquele canteiro tão lindo que ela plantava e cuidava com tanto amor! 

Faz bem uns trinta anos que passei por lá novamente, queria rever um pedacinho da minha vida. E avistei a igreja. Sim, ainda existia, desgastada pelo tempo. E para minha surpresa, era uma igrejinha minúscula, pouco mais que uma capela. Meu olhar infantil viu além da aparência e o medo deve ter completado o 'serviço', rs. Quando lembro desse 'causo' sempre acho que falta alguma coisa. Pode ser que nessa volta à infância, minha memória tenha esquecido ou inventado algum detalhe, afinal não sou mais a mesma que vivenciou a história. Meu reino pra rever aquela tarde, em todos os detalhes e saber exatamente o que aconteceu! 

Gosto muito dessas lembranças pueris que a memória me faz reviver. Além da vitalidade que me trazem, representam para mim um alento, uma distração, um refúgio nos dias da minha velhice.

- Marli Soares Borges -

sexta-feira, abril 01, 2011

FALA SÉRIO


- Marli Soares Borges - 

Olá turma,

Hoje é 1º de abril, o "Dia da Mentira". Na minha infância esse era um dia muito legal. A gente brincava de passar primeiro-de-abril nas pessoas: em casa, nos amigos, na escola. Tudo era motivo pra brincadeiras, mas, alto lá, jamais brincávamos com coisas sérias. Era pura farra mesmo. Tenho ótimas lembranças das brincadeiras que a gente aprontava.

Hoje cedo andei passeando pelos blogs e vi uma tonelada de gente falando no Pinóquio. Que novidade, jura que você não imaginava que a blogosfera estaria recheada desse tal bonequinho mentiroso, jura! rsrs. A propósito, ano passado, também eu andei falando no Pinóquio, mas nada a ver com o dia da mentira e nem com esse boneco infantilizado que as mídias nos empurram goela abaixo. Falei do verdadeiro Pinóquio, que pouca gente conhece. Se quiser, você pode ler aqui.

Mas hoje não quero saber de pinóquios, vou é postar uma dica de filme que tem tudo a ver com o 1º de abril. Chama-se "The Invention of Lying" e conta a história de um homem fracassado que resolveu mudar sua sorte contando mentiras, num mundo onde todos só falavam a verdade. Já faz um tempinho que vi esse filme, mas lembro que achei ótimo.  É um filme descomprometido, pura bobajada. Eu ri de montão. E olha que sou uma pessoa séria, gente grande, rsrs. Acontece que o dito filme tem mesmo umas passagens homéricas. Se você estiver a fim, assista, é melhor do que muitos enlatados que andam por aí passando um primeiro-de-abril na gente.

Um ótimo fim de semana. Divirtam-se.
Beijos a todos


💙💙💙

segunda-feira, agosto 30, 2010

O RISO É CONTAGIOSO




Olá,
Que avalanche de comentários! Muito obrigada, gente, vocês são demais.

Sei, ando sumida, é a correria. Muiiiiito serviço e viagens. Pensa que é moleza? Não é não!! Tem hora que o bicho pega. Desculpa aí, vai. Logo, logo estarei de volta. Gente, fiquei tão alucinada que não consegui nem ler as blogagens.  

Ontem viajei para o Rio e o avião (Web Jet) atrasou simplesmente duas horas e meia. Pode? E eu ali, esperando... O aeroporto lotadésimo, haja paciência. Pô, domingo de tarde, ninguém merece. Lá pelas tantas, vieram os robozinhos do além com um lanchezinho rápido pra evitar reclamações. Ok, santa paz. Pessoal lanchando e a tv ligada no Faustão! Programinha infame esse, eu nem olhava, grudada no meu lap. Pensa que o pessoal se incomodou? Que nada, começaram a se matar de rir. Bom, quando ouço alguém rir, quero logo saber de que, pois quero rir também!!! Não admito perder nenhuma oportunidade de rir. Então, larguei o que estava fazendo e fui olhar o tal programa, de perto. Era um jogo no qual as pessoas caíam n'água, sei lá. Pois não é que segui olhando e comecei a rir também? Gente, pura bobajada, sem pretensão alguma. Taí a cereja do bolo, um pastelão!! hahaha!

Após acomodar-me no avião comecei a pensar nesse episódio...(essa sou eu, sempre pensando...rsrs) . Será que se eu estivesse assistindo sozinha teria rido tanto? Não sei. Talvez não achasse a menor graça. Mas aquela platéia ali, todo mundo rindo, morri de rir também. Você Já notou como o riso é contagioso? É isso aí, vamos rir! E vamos rir juntos que é bem melhor!!!

Só pra esquentar as turbinas:
No hospício o médico pergunta ao louco:

- E aí Einstein o que inventastes hoje?
- Inventei um objeto capaz de ver através da parede.
   Pergunta o médico:
- Já lhe destes o nome?
- Sim, "janela".

* * * * *

Era um feriado de ano novo, e todos no hospício estavam muito felizes. Brincando em uma piscina, que foi acabada de ser instalada. Quando chega o fim da tarde e um louco fala com o médico:

-Adorei o dia de hoje, todos estão gostando muito da piscina né doutor?
O médico responde:
-É verdade.
O louco pergunta novamente:
-Amanhã vamos poder brincar na piscina?
Mais uma vez o médico responde:
-Sim, amigo, amanhã vai estar muito melhor vamos colocar água nela.

Beijo e bom início de semana a todos.

sexta-feira, março 26, 2010

TEMPO PARA CONTAR ESTRELAS


Tempo para contar estrelas



- Marli Soares Borges - 


Conte minha filha, conte, quantas você puder, olhe elas estão sorrindo pra você! Não pense em nada, só conte as estrelas... Você vai ver, elas são mágicas, é só contar e a alegria vem. E a tristeza vai embora. Sabe, filhinha, vou te contar um segredo, conforme a gente olha para o céu e conta, nosso coração se acalma e ao mesmo tempo, cada estrelinha nos entrega um sorriso e um brilho, e a gente começa a se alegrar. Acredite, é verdade. Experimente, você vai ficar brilhante e sorridente e todo mundo vai gostar de você. Ninguém gosta de pessoas tristes, você sabia? A tristeza faz as pessoas ficarem muito feias. Nunca esqueça de levantar a cabeça, olhar para o céu e contar as estrelas.

E a menininha seguiu contando as estrelas e quanto mais contava, mais sentia a alegria invadir seu coração. Ela não se descuidava, não se deixava entristecer. Ela era capaz de "sentir" em sua alma a intensidade do brilho e do sorriso que cada estrelinha lhe oferecia.

O tempo foi passando e a menininha crescendo, cada dia mais iluminada e feliz. Todo mundo gostava dela, de seu temperamento extrovertido e suave. Mas a infância despediu-se e num belo dia chegou o amor. O coração bateu forte e ela começou a trilhar os caminhos da existência ao lado do companheiro que escolhera. Sentia-se realizada, dona do mundo! Em sua felicidade, ela não imaginara que a vida adulta tivesse tantos mistérios e tantos desígnios. Um dia a tristeza bateu à sua porta, bateu forte, e nesse tempo, nada de estrelas. Os infortúnios a fizeram esquecer suas amigas brilhantes.

Mas foi numa noite insone que aconteceu o milagre. Ela levantou-se, e, sem forças apoiou-se na janela, o coração despedaçado. Sem saber como, seus olhos voltaram-se para o céu... e lá estavam elas, sorridentes a cintilar. No mesmo instante, ouviu com incrível nitidez, as palavras de sua querida vó, conte, minha filha, conte... e então, lentamente, sem pensar em mais nada, com a cabeça erguida e o olhar no céu, ela começou a contar as estrelas, um, dois, três... e foram muitas, quando deu-se conta as lágrimas haviam secado e sumido completamente. Naquela noite ela dormiu energizada, expulsara a tristeza de seu coração. Ela pôde então compreender a mágica, tão singela, tão acessível, e tão fugaz..., contar estrelas é apenas um momento, mas é um momento de luz, que nos convida a vislumbrar outras perspectivas de viver. A partir daí, ela seguiu dedicando um tempo para as estrelas e notou que seus caminhos começaram a clarear.

A vida seguiu sua trajetória e a tempestade cedeu lugar à calmaria. Ela decidiu não contar essa mágica a ninguém, afinal, ninguém entenderia mesmo, e ainda diriam que contar estrelas era coisa de crianças.

Tempos depois, passeando com seu netinho pela mão, ele olha para o céu, abre um sorriso e diz: vovó, olha lá a estelinha céu... ele apontou com o dedinho e começou a contar, um, dos, teis... Então ela ouviu sua própria voz dizer num acorde, conte meu filho, conte, quantas você puder...


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