Olá !!
Hoje, no "Dia da Mentira", amanheci com mais vontade ainda de falar a verdade. Por isso vou falar no Pinóquio. O verdadeiro. De vez em quando me dá umas venetas e eu fico muito séria mesmo. Primeiro: tenho medo de adaptações, de qualquer tipo. Segundo: me dá uma tristeza ver como as pessoas atravessam os textos alheios, cortam palavras, truncam o texto, enxertam, fazem colchas de retalhos. Vi umas coisas por aí que me arrepiaram. Então, para me acalmar, chamei o Pinóquio.
Prepare-se esse é um postão!!! Rsrs. Mas se você tiver paciência e ler até o fim, você vai aproveitar. Prometo.
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Não minta que seu nariz vai crescer igualzinho ao do Pinóquio!
Foi assim que me apresentaram Pinóquio, um menino que tinha um nariz grande de tanto mentir.
A história mais conhecida pode ser resumida em poucas palavras: um carpinteiro chamado Gepeto constrói um boneco de madeira, que tem vontade própria: pode falar, rir, chorar, dançar e fazer travessuras, como qualquer criança. Ele mentia e seu nariz crescia. O maior desejo dele era tornar-se um menino de verdade. E foi isso que aconteceu. Em outras palavras, Pinóquio é um boneco que se transforma em gente.
Li o livro "As Aventuras de Pinóquio" (adaptação de Disney) quando tinha 10 ou 12 anos, nem lembro mais... Só muito tempo depois tive a oportunidade de ler a tradução completa do original. Foi então que pude reconstruir as recordações e perceber como estava distorcida a história que eu havia lido na infância. Percebi que aquele boneco domesticado e infantilizado que eu havia conhecido, não era o personagem que o autor havia imaginado e construído na história original. Na verdade, do original não restou nem o nome. O que restou, foram apenas os elementos indispensáveis à formatação do perfil da história. E, ainda assim, de modo muito superficial. Na adaptação, o boneco aparece, inocente como um bebê, e sempre à mercê do Grilo que lhe ensinava o que fazer.
Observe o desenho que ilustrou a adaptação de Disney: o boneco é bem infantil. |
Mas o verdadeiro Pinóquio não é um personagem infantil, nem inocente e nem tampouco carismático. Para mim, ele é um anti-herói, (veja na introdução do livro, que bem antes de ser esculpido ele já se rebelava ...) um boneco cheio de dilemas e ambiguidades, a representação concreta da falta de comprometimento, da negação da lei, e, principalmente da teimosia em buscar o prazer absoluto. Busca que sabemos, está presente em todos nós, mas tem que dar lugar ao princípio da realidade para que o processo civilizatório possa acontecer e manter-se em patamar aceitável. Melhor dizendo, a realidade exige de nós a capacidade de tolerar a frustração. Temos que entender que não podemos satisfazer nossos desejos imediatamente com ações impulsivas. Mas isso implica numa tomada de consciência, exatamente como acontecia com Pinóquio, na medida em que suas repetidas mentiras eram sempre acompanhadas de crises de consciência ao reconhecer o erro. E é bem assim que acontece com os seres humanos. Veja que por seu temperamento rebelde, o boneco sempre percorreu o caminho mais difícil para aprender a responsabilidade!
Essa confusão mental que permeia a vida de Pinóquio é que no meu pensar, fez dele um personagem fantástico, refém de seu caráter voluntarioso e rebelde. Observo ainda que o autor não se deteve no caráter transgressor da mentira, ele preferiu inseri-la num contexto muito mais amplo, como parte dos hábitos que alicerçam nossos valores sociais e afetivos. A história fez emergir não só a dificuldade do personagem em controlar seus impulsos mentirosos para evitar que o nariz crescesse, mas também a dificuldade real dos pais em educar seus filhos.
Muito, mas muito diferente do Conto de Fadas de Disney!
E, por aí vai. No meu entender, a história original além de comovente traz uma critica social muito severa em relação às questões familiares e sociais, como a pobreza, a fome e a educação. Transitou inclusive pela precariedade do funcionamento das Instituições públicas.
Agora, debruçando-me sobre a adaptação que Walt Disney nos ofertou, os recortes que fez do original, penso que, efetivamente a história foi reduzida a um singelo maniqueísmo infantil. Mas nesse caso, a adaptação ostentou um cunho pedagógico. Ele fez um livro "de ensinamento". Talvez, a sociedade da época estivesse carente de uma ferramenta que pudesse ser utilizada na educação das crianças, que ajudasse a melhorar o comportamento social. Percebendo essa carência, Disney trouxe para o livro a compreensão da mentira e a internalização das regras. E isso foi positivo, no meu entender.
Também é de ser reconhecida a visão empreendedora de Disney que "sentiu" a oportunidade de ganhar dinheiro com a história. E ganhou. E com o filme também. E não se pode negar que a adaptação também tem conteúdo suficiente para provocar inúmeras leituras.
Aqui finalizo esse post. "E foram felizes para sempre". Mas que fugiu do original, fugiu. E eu sigo tendo medo de adaptações. (E de correções e traduções também).
Noutra oportunidade retomarei o assunto, pois sei que esse livro é muito polêmico. Não é sem razão que "PINÓQUIO" é hoje considerado um dos pilares da literatura italiana, juntamente com Decameron e A Divina Comédia.
NOTAS:
Quando as histórias foram reunidas num livro, o nome adotado foi "Pinóquio" simplesmente. |
A história original, com o título "História de um Boneco", foi escrita no formato de folhetim, entre os anos de 1881 e 1883, pelo italiano Carlo Lorenzini, cujo pseudônimo era Carlo Collodi. Os capítulos eram publicados num jornal infantil semanal de Roma — o Giornardi dei Bambini — e foram concebidos lentamente pelo autor, que interrompeu a escrita inúmeras vezes, retomando-a quando pressionado por seu público. Foram principalmente as crianças que gostaram da trama e pediram a Collodi que a prosseguisse. Quando as histórias foram reunidas num livro, o nome adotado foi "Pinóquio" simplesmente.
Imagem desenhada entre 1852 e 1910 por Enrico Mazzanti para ser a capa da primeira edição de "Pinóquio" que saiu em 1883. |
Mais tarde, em 1940, já no século XX, Walt Disney adaptou a história, criando a sua versão: "As Aventuras de Pinóquio".
Tchau, gente,
Até breve!
Até breve!
P.S. Eu avisei que era um postão! hehe
Nossa Marli, estou pasmo com a leitura que acabei de ter.
ResponderExcluirNem sequer suspeitaria que por de trás da história que conhecia, havia de fato um outro Pinoquio.
Gerou-me grande curiosidade em conhecer de fato a verdadeira história.
Saberia me dizer como encontrar?
Beijos, apesar de postão ficou magnifico.
Como sempre... rsrs
Beijos!
"Postão" mais que bom Marli.
ResponderExcluirAlém do assunto em si que vc quis falar, nos contou uma história que muita gente, assim como eu, não conhecia totalmente.
Sabia da adaptação, mas nunca tive a curiosidade em procurar saber tanto. Vou pesquisar mais. Aguçou a curiosidade.
Bjs no coração!
Nilce
Oi Marli, recentemente vi pinoquio com a duda... sabe q o nariz dele só cresce mesmo uma vez? O resto é ele caindo em tentação, eno final tudo acaba bem... bem diferente da vida real, mas tudo bem.
ResponderExcluirO mais bonito do filme, pra mim, é o amor do Gepetto pelo pinoquio, e a parte que o pinoquio entra dentro da baleia pra salvar o pai.
O grilo falante, a consciencia do pinoquio, é o que mais se assemelha com a realidade. Quantas vezes nao ouvimos a nossa voz da consciencia e nos damos mal. hj estou vivendo esse dilema, quero fazer uma coisa, q sei q eh erradissima, mas quero fazer. devo postar sobre isso em breve.
Tem um cara, nao me lembro mais o nome que estudou todas essas historias infantis, e as colocou na nossa realidade, enquanto adultos. Bem, eu sei q fiz da minha vida o que os tres porquinhos fizeram, e o lobo levou minha casa. Alem disso, a Disney me enganou! disse que havia um principe encantado, e o meu nada. Já dormi horrores, pra ver se ele me beijava, já fui meio gata borralheira, acho q so me falta mesmo comer a maça envenenada... e nada do principe!
bem, um postao merece um comentariozao!
beijocas!
Muito bom Marli. Bom mesmo.
ResponderExcluirbeijos
Marli.
ResponderExcluirAdorei seu post.Sou apaixonada pelo Pinóquio.
Tenho um livro já velhinho que li pela primeira no meu tempo de "ginásio".
Fiz meu estágio como professora com o uso das histórias do Pinóquio.
beijos
Bom dia Marli
ResponderExcluirGostei do Pinóquio e da chamada de atenção para alguns bloguistas que nem copiar sabem. Alteram e deturpam as coisas originais e pior ainda apresentam-nas como suas.
A mentira é grave na vida das pessoas só que a esses não lhes cresce o nariz.
Beijinhos e continuação de um bom dia....sem mentira alguma....
Marli, excelente esta sua abordagem. Eu acrescentaria ainda o fato de que os EUA sempre utilizaram Disney e Hollywood como disseminadores de uma cultura de massas que espelhasse seu projeto de dominação cultural para alem da econômica pelo mundo afora. Esta constante criação de heróis infantis, juvenis e adultos sempre teve uma "segunda intenção" por trás das magníficas produçoes cinematográficas. E nisso eles são, de fato, muito bons. Tanto é que os americanos etão onde estão não é somente por causa "da grana que ergue e destrói coisas belas". Eles carregam pesado no aspecto ideológico. Quanto às adaptações, acho que não há problema. Desde que o diretor sempre diga que se trata de uma adpatação, senão vira uma distorção das coisas com fins escusos. Adorei o texto! Abração. Paz e bem.
ResponderExcluirBom dia,amiga Marli! Sabes que na maioria das vezes a gente toma um remédio e não se detem na bula. Ora pois... eu nunca havia parado para fazer uma análise sobre Pinóquio! Foi ótimo ler tua postagem - me levou a analisar, concordar, e, provavelmente, se eu meditar mais um pouco, terei também novos pontos para analisar!
ResponderExcluirBeijos... e obrigada pelo postão hehe
ler coisa boa, que nos acrescenta, nunca é demais, é um privilégio. é isso o que acontece comigo toda vez que passo por aqui. gostei de saber mais detalhes do real Pinoquio. Revelador.
ResponderExcluirFoi sem dúvida um "postão", mas quando chegou ao final pensei "mas já acabou?". rsrsrs. Adorei conhecer um pouco do original e saber que há mais por trás dessa história do que simplesmente um nariz de madeira que cresce.
ResponderExcluirEssa frase, contudo, resumiu para mim todo o texto: "a realidade exige de nós a capacidade de tolerar a frustração." Levarei comigo essa lição. Um beijo, Deia
Que legal Marli, não sabia que tinha existido o livro original, pois somente conheci a adaptação da Disney...muito interessante seu post...nos proporcionou cultura...
ResponderExcluirBeijinhos amiga!
Valéria
E temos tantos pinóquios por ai...
ResponderExcluirOntem mesmo meu nariz cresceu...rsrsrs
Bjos achocolatados
O mundo precisa de pensadores como tu guria,rs.
ResponderExcluirÉ muito bom encontrar pela blogsfera gente como você, que pensa, critica, mostra e ensina.
Beijão paulistano
Olá, bem interessnte o seu post, beijos!
ResponderExcluirMarli, vou fazer esse post bem em breve e te aviso! beijocas
ResponderExcluirEu sempre contei estas histórias infantis para meus alunos. Mas li que um advogado mostrava os crimes cometidos por estas histórias.
ResponderExcluirMas eu contava com o objetivo de incentivar a leitura e não com moral.
com carinho MOnica
Marli.
ResponderExcluirVivemos uma triste situação, que poderia enquadrar-se nesta fábula muito atual.
Nossa cidade, Sete Lagoas-MG, é a que mais polui o tão sofrido Rio das Velhas. No entanto construíram uma mega estrutura de captação de água no rio, mas alegaram não possuir recursos para Estações de Tratamento de Esgoto.
Com relação ao Quiriquiri, sua tarefa não será fácil, já que a fêmea constrói ninhos em locais inacessíveis.
Grande abraço!
Um texto soberbo, Marli! Não somente pela informação, mas principalmente pela reflexão permitida.
ResponderExcluirConfesso-lhe que desconhecia a outra versão (já estou chamando de a outra, rsrs).Cresci assistindo Disney e as inculcações ali propostas.
"Esse Pinóquio" que traz à cena é impregnado de humanidade, nas contradições, nas transgressões e nos valores que nos moldam. Há muito dele nas relações travadas no cotidiano. Há muito dele, guardado a sete chaves em cada um. Há muito dele nesse mundo virtual que habitamos.
Penso que a carência da época se evidencia ainda hoje. A começar pela educação, ainda com ranços academicistas e livrescos.
Debruçar sobre o seu texto, em cada nova leitura, certamente provocaria reflexões acaloradas e intensas.
Melhor deixar que o texto se reconstrua na intimidade de cada um.
Um grande abraço.