A luz ficou lá fora. |
- Marli Soares Borges
Dia desses eu estava meio down e o poeta me disse ao pé do ouvido: "Se as coisas são inatingíveis… ora! não é motivo para não querê-las… que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!" Gosto taaaanto do Quintana.
Não sou mais quem eu era. Noutros tempos eu vivia no país do futuro e queria mudar o mundo; achava que podia, afinal eu tinha as ferramentas: juventude, força e garra. E para mim isso era o bastante. Durante anos de minha vida estive ocupada nesse propósito. Hasteei a bandeira dos valores perenes: amor, gentileza, trabalho, responsabilidade, empatia, honra e justiça.
E eis que o futuro chegou e as novas gerações estão por aí fervilhando, no meio de outras mais novas ainda, transbordantes de tecnologias para suprir necessidades em todos os campos do conhecimento. Pelo menos é o que se diz à boca pequena. Mas acho que essa lógica não deu muito certo; alguma coisa se perdeu pelo caminho.
Os arautos do rei mumificaram-se nos poderes constituídos e não há saída para que as pessoas comuns que trabalham e ganham seu próprio dinheiro, façam, pacificamente, a lei valer a seu favor. A porta bateu com a chave do outro lado e a luz ficou lá fora. Do lado de cá, restou um imenso teatro onde vive-se de encenações. A simpatia aparece como protagonista, sempre usada para aliciar, incitar e subornar. O que não falta é gente sorridente e simpática. E a falsidade grassa acobertada pela simpatia. As virtudes jazem num canto, abandonadas como coisa sem valor.
Então eu olho no buraco da fechadura e vejo a luz do outro lado. Volto para mim e vejo como o tempo passou! meu corpo envelheceu tanto... já não tenho força física pra meter o pé e abrir a porta. O tempo e a vida gastaram o meu corpo. Mas, que fazer? c'est la vie. Por sorte, o tempo nada pôde contra meu espírito acostumado a suportar adversidades.
Ainda resta-me o sonho.
E no meu sonho há luz. E há pessoas honestas e conscientes de suas responsabilidades planetárias; há justiça funcionando; há governo governando; há direitos e deveres garantidos e há pluralidade assegurada. Também tenho minhas utopias. Continuo sonhando com um mundo melhor, com pessoas melhores, solidárias e fraternas.
Ainda resta-me a palavra, minha ferramenta de todas as horas. E irei usá-la enquanto puder: jogarei ao vento palavras polinizadoras de serenidade e empatia: "não faças aos outros o que não queres que se faça a ti".
E até a última sílaba do registro dos tempos, pretendo usar a palavra para manter viva a fé, a esperança e a coragem; clarear as mentes e tocar os corações. O mundo ainda pode ser um lugar melhor para se viver.
Falo de possibilidades. E acredito nisso.
* * * * * * * * * *