segunda-feira, janeiro 13, 2014

ENCENAÇÕES



Não sou mais quem eu era. Noutros tempos eu queria mudar o mundo, achava que podia, afinal eu tinha as ferramentas: juventude, força e garra. E para mim isso era o bastante. Durante anos de minha vida estive ocupada nessa mudança, fazendo isso e aquilo. Lidei com pessoas, aprendi, ensinei, mostrei como se faz, dei chance de fazer. Vi muita gente triste que iluminava o rosto quando aprendia alguma coisa com a qual poderia fazer algum dinheiro. Hasteei a bandeira dos valores perenes: amor, gentileza, responsabilidade, empatia, honra e justiça. E eis que chegaram as novas gerações, e outras mais novas ainda. E alguma coisa se perdeu pelo caminho. O vento jogou longe a chave e fez bater a porta daquele mundo de luz. Do lado de cá, restou um imenso teatro onde vive-se de encenações. Os arautos do rei se mumificaram no poder. Não há saída para que as pessoas comuns façam, pacificamente, a lei valer a seu favor. As virtudes desvaneceram. A cara de paisagem e o sorriso falso parecem ser as únicas ferramentas que restaram para as pessoas ganharem a vida.

Olho no buraco da fechadura e a luz está lá. Porém o tempo passou e não tenho mais força física para abrir a porta, sou apenas uma alma apaixonada e um coração que bate. Mas, se o tempo e a vida enfraqueceram meu corpo, meu caráter continua indômito e não vou me render, vou colocar em cena, ações!

Ainda sonho com a Luz do Novo Mundo: as pessoas incorruptíveis, conscientes de suas responsabilidades planetárias, a justiça funcionando, os governos governando, os direitos e deveres garantidos. Ainda resta-me a palavra e irei usá-la enquanto puder: jogarei palavras ao vento. E, para começar, vou polinizar a empatia que, a meu ver, é a virtude que está fazendo mais falta nesse mundo. - Marli Soares Borges -

sexta-feira, janeiro 10, 2014

A FÉ NÃO SE EXPLICA

Meu primeiro post de 2014 é de fé.
Acreditar e ter fé são coisas diferentes. Quem acredita, apenas acredita, é, portanto uma pessoa crédula, uma pessoa que crê em alguma coisa. Jaz ali inerte, ingênua e crente... na zona de conforto. Acredita que na última hora acontecerá a mágica da salvação. O milagre da crença -- que chamam de fé --, tomará as rédeas e os problemas estarão resolvidos. Mas não! Para mim, fé é outra coisa. E não tem nada a ver com religião, nem com religiosidade. Não há mágica, mas a fé salva. Não aquela fé inerte, confortável, social. A inércia não é um componente da fé, e as próprias escrituras, afastando a credulidade, nos fazem ver que "a fé sem obras é morta". A fé é dinâmica, supõe movimento -- move montanhas. É vontade, ação e confiança inabalável. E não se explica: quem tem, tem. É bem como li não sei onde: "primeiro você dá o passo, depois um deus coloca o chão". Mas o passo, a mola propulsora do acontecimento está com você. É a sua vez. Marli Soares Borges

sábado, dezembro 28, 2013

GRATIDÃO



Em tempos de Natal volto a pensar na gratidão, ou melhor, na falta de. E ouço com nitidez as palavras de Victor Hugo: "os infelizes são ingratos, isso faz parte da infelicidade deles" e lembro também de Balzac, "a gratidão perfuma as grandes almas e azeda as almas pequenas". Verdade. Tem aqueles que ficam felizes quando lhes prestamos algum favor e até sentimos os laços de amizade se estreitarem. Mas tem outros - e não são poucos - que esquecem rapidamente a ajuda que receberam. Johnson dizia que jamais encontraremos gratidão entre gente vulgar, porque a gratidão é a virtude das almas nobres. E é. Talvez por isso seja tão rara. Quer coisa mais vulgar que o egoísmo? Os egoístas medem a gratidão pelo próprio ego e respiram a lógica insana de que são os grandes merecedores das benesses do mundo! Ingratos, é isso que eles são! Um bando de gente que se acostumou a receber ajuda de pai, mãe, irmão, amigo, empregado, filho, sogro, companheiro, etc. São abençoados todos os dias e não dão a menor bola. Se você pertence a essa turma, vou te dizer uma coisa: olhe para os lados e trate de entender que essa gente de fé, que todo o santo dia faz alguma coisa por ti, cada um a seu modo, se sacrifica para te ajudar. Mas se você não se importa, então é porque tua alma pequena perdeu o perfume e azedou! E azeda você vai deixando a vida dos que te cercam, essa pobre gente explorada, que paga muito caro por ter decidido um dia te ajudar. Que tristeza, você perdeu a memória do coração! Se assim não fosse, você já teria se dado conta de que não tem direito de magoar ninguém e você não viraria as costas para os viventes que te ajudam nesse mundo. E você faria o dever de casa: abraçar, agradecer, retribuir a bondade, com pequenos gestos de reconhecimento e afeto. Dar graças a quem nos ajuda, esse é o lance. A gratidão é amiga da delicadeza e da boa convivência. Que tal aproveitar o Natal e agradecer ao céu e a terra, a ajuda recebida? Exercitar a gratidão? 

 Marli Soares Borges


terça-feira, dezembro 24, 2013

segunda-feira, dezembro 16, 2013

TELECO O COELHINHO - MURILO RUBIÃO

Eu adoro realismo mágico (fantástico). Então lembrei do Murilo Rubião*, um contista mineiro que li há tempos atrás. Ele é ótimo. Sua escrita tem um brilho que me encanta, mormente sua visão crítica da sociedade. E o rigor da linguagem? Absolutamente perfeito. Fico triste quando alguém que gosta de ler, diz que não conhece sua obra. Não sabe o que está perdendo. Gosto demais do conto “Teleco, o Coelhinho” que li no livro “Os Dragões e Outros Contos”, putz, faz tanto tempo que nem lembro se foi nesse livro mesmo, rsrsrs.
"- Moço, me dá um cigarro?
A voz era sumida, quase um sussurro. Permaneci na mesma posição em que me encontrava, frente ao mar, absorvido com ridículas lembranças.
O importuno pedinte insistia:
- Moço, oh! moço! Moço, me dá um cigarro?
Ainda com os olhos fixos na praia, resmunguei:
- Vá embora, moleque, senão chamo a polícia.
- Está bem, moço.Não se zangue. E, por favor, saia da minha frente, que eu também gosto de ver o mar.
Exasperou-me a insolência de quem assim me tratava e virei-me, disposto a escorraçá-lo com um pontapé. Fui desarmado, entretanto. Diante de mim estava um coelhinho cinzento, a me interpelar delicadamente:
- Você não dá é porque não tem, não é, moço?"
Sim, o personagem principal é um coelho. Mas não é bem um coelho. Na verdade Teleco é uma metamorfose ambulante. Ele vive se transformando em outros animais. A gente se refere a ele como coelhinho porque é assim que ele se apresenta pela primeira vez, mas poderia ser uma pulga, um leão, um cavalo, uma ave extinta ou até... Resumindo, ele mesmo confessa que a versatilidade é o seu fraco. Mas tudo bem, por enquanto o coelhinho só quer agradar os outros. Mas a coisa esquenta quando ele se transforma em canguru, arranja uma namorada e afirma que é homem e que se chama Barbosa. Santo Cristo, agora complicou...

É impressionante como Rubião consegue mostrar tudo o que lhe passa pela cabeça, somente utilizando metáforas. E metáforas perfeitas, diga-se de passagem. Veja só nesse conto, (você já viu, óbvio) a animalização da humanidade, o homem deixando de ser um “humano” para ser um “desumano” é uma coisa muito louca! Só um gênio desse quilate conseguiria fazer essa transposição, essa mágica literária. Acho, (pura achologia mesmo), que o tom lúdico desse conto serve para mascarar nossas questões existenciais e que Rubião quis sintetizar, e sintetizou, a meu ver, o início da criação humana à luz da Bíblia, desde o nascimento inocente até a corrupção. Para mim, todas as metamorfoses do coelhinho revelam uma inútil tentativa de adaptação a um mundo onde não há mais valores referenciais.

Mas tem uma coisa que sempre achei paradoxal: é que embora os textos bíblicos marquem presença em sua obra, há também um ceticismo a respeito da salvação. Lembro que ao ler seus livros, no final, eu sempre ficava com essa sensação. Sei lá. Tempos depois, a notícia: ele virou ateu. Biiiiiingo!

* Murilo Eugênio Rubião foi jornalista e escritor brasileiro. Nasceu em Carmo de Minas - Belo Horizonte.
Beijos a todos.

P.S. - Publicado pela primeira vez em junho de 2011.